quinta-feira, 29 de julho de 2010

Joaquim Cardozo: o poeta que calculava

"No terreno liso da composição linear
Poderemos fazer nascer, se quisermos
Algumas árvores lógicas"


Em 1975, ganhei de uma pessoa muito querida um livro de poemas do Joaquim Cardozo. E adorei o presente com um dos mais belos poemas que já li, A Nuvem Carolina.  Até há pouco tempo, não sabia nada mais sobre esse excelente poeta nascido em Pernambuco. No aniversário de 50 anos de Brasília, a revista Veja fez um especial sobre a capital federal e sua construção. Para minha grata surpresa, um artigo de Fábio Altman revelou para a minha ignorância que Joaquim Cardozo fez muitas outras coisas. Foi, por exemplo, o engenheiro que calculou importantissímas obras de Oscar Niemeyer. Segundo Altman, num telefonema do engenheiro ao arquiteto: "Encontrei a tangente que vai permitir que a cúpula pareça apenas pousada na laje". Assim, fez ficar de pé a cúpula invertida da Câmara dos Deputados.  Também as esbeltas e fortes colunas do Palácio Alvorada foram possíveis graças aos cálculos de Cardozo  que transgrediu as normas de engenharia à época usando 20% de ferro nas estruturas,  ao invés dos 6% estabelecidos internacionalmente.

Há muito para falar sobre o homem e a obra poética, teatral, plástica e técnica de Joaquim Cardozo. Mas não é necessário que eu o faça pois há importantes estudos publicados. Apenas instigo e sugiro um passeio pelos links abaixo. Antes, um poema muito delicado e revelador da profunda e dolorida consciência que Cardozo teve do seu duplo papel, do duplo movimento do homo sapiens, do homem da técnica: destruir e construir o belo.  

As Alvarengas

"Tous les chemins vont vers la ville”
Verhaeren

As alvarengas!
Ei-las que vão e vem; outras paradas,
Imóveis. O ar silêncio. Azul céu, suavemente.
Na tarde sombra o velho cais do Apolo.
O sol das cinco ascende um farol no zimbório
Da Assembléia.
As alvarengas!
Madalena. Deus te guie, flor de Zongue.
Negros curvando os dorsos nus
Impelem-nas ligeiras.
Vem de longe, dos campos saqueados.
Onde é tenaz a luta entre o Homem e a Terra.
Trazendo, nos bojos negros.
Para a cidade.
A ignota riqueza que o solo vencido abandona.
O latente rumor das florestas despedaçadas.

A cidade voragem.
É o Moloch, é o abismo, é a caldeira...
Além, pelo ar distante e sobre as casas.
As chaminés fumegam e o vento alonga.
O passo de parafuso.
E lentas.
Vão seguindo, negras, jogando, cansadas;
E seguindo-as também, em curvas n’água propagadas.
A dor da terra, o clamor das raízes.

Para saber mais sobre Joaquim Cardozo
A poesia concreta de Joaquim Cardozo - artigo de Fábio Altman - Especial Veja Brasília 50 anos.
Website dedicado a Joaquim Cardozo - editado pela pesquisadora Maria da Paz Ribeiro Dantas com depoimentos, textos, biografia, imagens, links (muito bons os links indicados , com muita informação sobre a obra poética e técnica de Cardozo). 
 Meu amigo Joaquim Cardozo - artigo-depoimento de Oscar Niemeyer publicado no Jornal do Brasil em 1981.
Joaquim Cardozo: o homem-universo: belissimo artigo de Everardo Norões publicado na revista Caliban.  

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Estética da crueldade? Tom Waits nas suas veias, ouvidos e olhos



" As canções são enraizadas na realidade : o ciúme, a raiva , a roda de carne humana ... Elas estão mais carnal. Eu gosto de uma bela canção que te diz coisas terríveis. Temos todas as notícias ruins , como a de uma boca bonita. Eu gosto de músicas para som como se estivesse em um barril de envelhecimento e angustiado ".  Tom Waits - sobre seu disco Bloody Money

Para o meu gosto, a mais bela (e também mais popular)  canção de Bloody Money: All the world is green. Vale ouvir e ver neste vídeo, inclusive a música é seguida por palhaçal entrevista. 

terça-feira, 27 de julho de 2010

Ironweed: subjetividade e lixo



Nós, o populacho, não concordamos com filósofos que dizem que a nossa subjetividade é  lixo.  Não se trata de conclamar a compaixão, argh compaixão de qualquer um, argh principalmente da compaixão da filosofia. Trata-se sim de conclamar um pouco ao menos de política na filosofia. Quem sabe, um plano de imanência revolucionário (de radicalidade democrática)! Certo mesmo, é que é preciso conclamar o espírito guerreiro das artes.


Para o nosso consolo ( sim, é preciso tb o consolo, o descanso)  e, principalmente, na  guerra incessante contra a nobreza elitista, há a arte que capta a nobreza dos pobres, derrotados, fracassados, perdidos, mutilados, expatriados, sem estudo, sem diploma, sem doutorado, sem mestrado, adoentados, alcoolizados, crucificados, vagabundos, desempregados, subempregados, quebra-galhos, meia-bocas etc. Etc. dos  que não viajam, não acham Paris o máximo (nem o mínimo, nem o meio), não andam de avião, não dão palestra, não são mestres de nada, não escrevem livros e  nem mesmo os lêem (livres da bibliomania!). Por isso não tremem diante do Umberto Eco, nem sabem quem é Umberto Ecco,  e talvez nunca digam "vivo uma fase muito feliz". Enfin, a escória do mundo, talvez 70% da população mundial.



Hector Babenco é um cineasta nobre não elitista. Por isso, fez esse lindo filme Ironweed, entre outros filmes lindos que dirigiu. Nada mais nada menos do que Jack Nicholson, Meryl Streep e Tom Waits no elenco interpretando a miséria de sujeitos ou sujeitos à miséria, que vivem, engatinham-se, arrastam-se no lixo. Aliás, o lixo tem lá sua riqueza, que o digam os que dele vivem e dos que se aproveitam dos que vivem do/no lixo. Dos que vivem, por exemplo, a catar latinhas, papelões e outros lixos reprocessados pela indústria milionária das embalagens.

Fantástica Meryl Streep no papel de Helen Archer.
Clique aqui para vê-la cantando He´s me pal
numa das mais belas cenas de Ironweed
Originalmente contada pela  arte literária de William Kennedy, outro artista que pôs lupa na rica subjetividade dos fracassados, Ironweed é uma novela que fala da vida dos que vivem à margem da riqueza, à margem de todas riquezas materiais, mas não da riqueza da subjetividade. Subjetividade não tem marido, esposa, pai, mãe e patrão.  Por isso, há muita subjetividade lixo no caminho dos filósofos e dos felizes.

O filme Ironweed (que Babenco considera o seu "patinho feio") pode ser abaixado da internet, alugados nas locadoras, comprado na Submarino. Você pode também ver o trechinho de abertura abaixo (em inglês, afinal há sujeitos da miséria que falam inglês, francês,  russo, chinês, árabe, português etc. A miséria e a subjetividade rica dos miseráveis são universais. E, atualmente, muito densas também na língua inglesa...).


Carta a uma senhorita em Paris

Para minha amiga Maud Lageiste, uma linda senhorita em Paris, com quem já vomitei muitos coelhinhos e haveremos de vomitar outros tantos, tontas de gatos negros. Saudade de você. Saudade do Cortazar. Beijo Maudinha da Marta

"Yo parezco haber nacido para no
aceptar las cosas tal como me son dadas."
Julio Cortazar




Para assistir o vídeo, clique aqui

O ponto, a curva e o infinito - a matemática na arte de Paul Klee




Paul Klee - Equals Infinity - 1932 

"O elemento genético ideal da curvatura variável ou da dobra é a inflexão. Este é o verdadeiro átomo, o ponto elástico. É ela que Klee extrai como elemento genético da linha ativa, espontânea, dando assim seu testumunho da afinidade com o Barroco e com Leibniz, opondo-se a Kandisnki, cartesiano, para quem os ângulos são duros e duro é o ponto posto em movimento por uma força exterior. Mas, para Klee, o ponto, como "conceito não-conceitual da não-contradição", percorre uma inflexão. Ele é o próprio ponto da inflexão, ali onde a tangente atravessa a curva. É o ponto dobra. " - Gilles Deleuze - A dobra: Leibniz e o barroco.  As dobras da alma. A inflexão - as singularidades.


Projetado por Renzo Piano, edifício que abriga o
Centro Paul Klee, em Berna - Suissa

domingo, 25 de julho de 2010

Sobre intempestividade

"... o intempestivo só é maldito para quem não suporta encarar a finitude e insiste em alucinar o absoluto."
Suely Rolnik - Ninguém é deleuziano


"Não se pode construir um tempo que virá senão sob o signo do intempestivo, que dispensa a linearidade:antes, durante e depois. Portanto, nem a memória pura, nem o instante, mas tudo isso implicado na criação vertiginosa de um novo começo."

terça-feira, 20 de julho de 2010

"Nosso" Sócrates é muito melhor que o grego

Nosso" Sócrates é muito melhor do que aquele grego que tomou cícuta. O "nosso" vive com garras e boca de leão (não Leão).



"A alegria é a prova dos nove", já dizia o "nosso" Oswald de Andrade.


Sócrates, "o cansado da vida" (Nietzsche).
Mas não devemos ser simplistas, nunca. Foi o mesmo Nietzsche que elogiou Sócrates assim em A gaia ciência: “admiro a sageza e a coragem de Sócrates em tudo que fez, disse … e não disse”. E mais: “este demônio de Atenas apaixonado e trocista, este encantador de ratos que fez tremer e soluçar os mais impertinentes jovens, não era apenas o mais sábio dos tagarelas: foi também sábio no silêncio”.
Nietzsche não gostava mesmo era do platonismo e de todos os valores morais que criou ou deu suporte.   

Sócrates: "Imagina a Gaviões da Fiel politizada! Esse é o grande medo do sistema"


Confira a entrevista concedida por Sócrates ao Sintrajud-SP (Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Estado de São Paulo), pouco antes do início da Copa do Mundo.

Carlos Eduardo Batista e César Lignelli, do Sintrajud

• Como você está vendo a organização da Copa do Mundo aqui no Brasil daqui a quatro anos?

SócratesAqui no Brasil, ainda não há organização nenhuma, pelo que eu saiba. Na verdade, existe uma desorganização dirigida para que os investimentos que sejam alocados nas obras não passem por licitações, então estão protelando o máximo possível para que isso ocorra.

Você acha que é intencional?

É claro! Isso aconteceu no Pan-Americano, acontece sempre. Quanto mais demorado melhor, porque aí tudo é feito a toque de caixa, e a toque de caixa tem situação emergencial que vale a pena para desviar alguma coisa.

Você acha que a exclusão do Morumbi como um estádio da Copa tem a ver com isso?

Não tenho dúvida. Eles querem construir um outro estádio. Desde o começo estava na cara, criaram todo tipo de dificuldade. E acho que o São Paulo fez certo, fazer um investimento de 700 milhões no Morumbi? É mais fácil o São Paulo construir outro estádio.

Você acha que o interesse é mais econômico ou político?

É para-econômico. Não é nem econômico. Economicamente não poderíamos escolher Manaus em vez de Belém. Cuiabá como sede, onde eles vão ter que construir o estádio para depois ficar parado, Brasília a mesma coisa, Natal a mesma coisa. É não é interesse econômico. É desperdício de dinheiro. Desperdício econômico. É para-econômico, para desviar verba.

Você não vê o fato de o São Paulo ter encabeçado uma chapa de oposição na eleição do Clube dos 13 como um elemento para a exclusão?

Não, isso vem lá de fora. Todos os estádios vão ser reformados. Alguns com um custo absurdo. Deve ser a quinta ou sexta vez que fazem reforma no Maracanã nos últimos três anos. O Minerão também. Vão construir outro na Bahia. Entendeu? É pro dinheiro andar. Andando o dinheiro alguém tá ganhando. Seja quem constrói, quem administra. O único que não ganha é o povo.

Você sempre diz que atualmente o futebol tem mais força do que arte. Você acha que a Copa de 1982 foi um marco na consolidação do esporte como está hoje?

Não existe um divisor aí. O que ocorre é uma falta de adaptação do futebol com a evolução física dos atletas. A questão não é só filosófica, claro que isso faz parte do processo. Mas ela é muito mais dependente da questão física. Inclusive na minha tese de mestrado, seria nove contra nove, tirar dois jogadores de cada time. Quer dizer, você resgatar os espaços que tínhamos há anos atrás. Então vão ter que jogar. Hoje tem gente que se esconde. Você pega um back central da vida ai que não sai do lugar. A única coisa que ele faz é chutar a bola pra frente, pro lado, isso não é jogar futebol. Com nove contra nove, o back central vai ter que saber jogar. Não só ele, todos vão ter que saber jogar, porque a bola vai correr.

Na verdade o futebol é um dos poucos esportes que não se adaptou a essa evolução. Imagine uma prova de atletismo, 100 metros, hoje, com cronômetro manual... Iria dar empate para caramba. Ou 50 metros na piscina. Tem que se adaptar a isso. E futebol não mudou nada. Não quer mudar. Nem tecnologia se utiliza para se dirimir as dúvidas de arbitragem.

Você não acha que essa não adaptação beneficia maus jogadores, que mesmo não tendo tanto talento, mantêm contratos milionários?

Hoje, na verdade, se nivelou o futebol. Um ou outro jogador que se destaca, que tem mais técnica, mais talento. Na verdade, todo mundo privilegia o físico hoje e é isso que impera no futebol. Seja na seleção de Honduras, você comparar com a seleção da Inglaterra. Você vê as equipes que se classificaram, tem time que nunca passou para a segunda fase e tem um monte na segunda fase, tá tão igual.

Como foi a democracia corinthiana?

Uma sociedade que decidia tudo no voto e a maioria simples levava vantagem nas decisões, absolutamente democrático. O roupeiro tinha o mesmo peso de voto de um dirigente.

Como a direção do time reagiu? Não só a direção, mas os patrocinadores, o Leão quis dar uma pernada?

O Leão não dava pernada em ninguém, ele nunca votou ué. Um voto nulo, em branco. Se você não quer participar de uma sociedade você não vota e agüente a decisão da maioria. A direção participava, um voto era da direção do clube e não tinha patrocinador, nessa época não tinha essas coisas.

Esse foi um dos poucos momentos em que o futebol cumpriu um papel mais positivo politicamente?

Na verdade cumpriu um papel importante nesse processo de redemocratização, porque o processo corintiano começou dois anos antes da grande mobilização das Diretas Já! Acho que foi um fator importantíssimo na discussão da realidade política brasileira. Você está dentro de um meio extremamente popular, com uma linguagem que é acessível a todo mundo está discutindo uma coisa que há muito tempo ninguém ou muita gente jamais teve a possibilidade de efetuar, que era o voto. Foi importantíssimo. Igual a isso eu não conheço nada parecido no futebol.

Você acha que o futebol pode cumprir um papel mais progressivo?

Claro. E esse é o grande medo do sistema. Você imagina a Gaviões da Fiel politizada. Né!? Você tem mobilização já pronta, você tem palco, duas vezes por semana, para exercer o seu direito, a ação política, só falta a politização.

Falta organização política para os jogadores?

Falta consciência! Falta... Por isso o sistema deseduca esses caras. Em vez de educar, faz de tudo para o cara não adquirir uma consciência social, política, porque esse é o mais importante. Ele é mais ouvido que o Presidente da República, esse cara pode mudar o país. Uma das brigas que eu tenho é “por que não educar esse povo, se é obrigação do Estado educar todo mundo?”. Pelo menos esse povo tem que ser educado. Agora mesmo, fui para a África do Sul, uma campanha pró-educação, inclusive com iniciativa da Fifa, com chancela da ONU, Educação Global, que é uma das metas do milênio, até 2015 pôr todas as crianças na escola. Então, no caso da Fifa, ponha primeiro os jogadores. (risos)

Você acha que o Estado deveria cumprir um papel mais importante na gestão do esporte?

É claro! Mas ninguém quer mexer muito nisso. Ninguém quer mexer, porque é um vespeiro. Mas deveria. Particularmente o futebol no Brasil é um negócio, como outro qualquer. Por que o Estado não tem controle sobre isso. Ele usa todos os símbolos nacionais, hino, bandeira, até a alma do brasileiro ele usa.

Você acha que o Estado deveria intervir para tentar segurar os jogadores no Brasil?

Já existe legislação para isso. O trabalho infantil ele é penalizado. Mas como você vai evitar que uma criança se transfira para outro país dentro das condições legais, quer dizer, arrumam emprego para os pais, os caras sempre fazem aquilo que precisa ser feito. Isso só vai ser educado quando tivermos consciência de que temos que valorizar a ‘commodite’ que temos em mão. Que é a qualidade do jogador brasileiro, o talento do jogador brasileiro. Em vez de vez vender o artista, tem que vender a obra dele. Quando a gente começar a vender a obra dele, a gente vai ter muito mais riqueza.

Um bom exemplo é o Ronaldo. O Ronaldo é um cara que vale ouro, que veio pra cá e está ganhando o mesmo que estava ganhando lá, ou mais.

Então é possível sim, mas é uma mudança de mentalidade. Na verdade o futebol brasileiro vende seu artista porque também é uma forma mais fácil de se manipular os recursos. Nem todo dinheiro que saí de lá chega aqui, no meio do caminho tem muita gente intermediária.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A economia brasileira vem melhorando, o que é muito bom, mas os bancos e a especulação financeira abocanham a maior parte da riqueza

O país, o povo e os bancos

"Entre 2003 e 2009 o salário mínimo saiu de R$ 240 e alcançou R$ 465, ou seja, uma elevação nominal de 94%. A remuneração média dos trabalhadores de São Paulo era de R$ 901 e saltou para R$ 1.302, ou seja, uma elevação nominal de 45%. O PIB brasileiro era de R$ 1,7 tri e elevou-se para R$ 3 tri, ou seja, um crescimento nominal de 77%. Caso utilizemos o conceito do PIB per capita, os dados nos apresentam o valor de R$ 9.500 no início do período e de R$ 16.400 no ano passado. Ou seja, um crescimento nominal de 73%.


"Já as informações observadas no que se refere à performance do setor bancário superam em muito tais índices de crescimento. Os ativos totais saíram de R$ 1,3 tri e superaram os R$ 3,6 trilhões, significando um crescimento nominal de 177%. Os dados relativos ao patrimônio líquido somavam R$ 129 bi em 2003 e atingiram R$ 345 bi no ano passado, proporcionando uma elevação nominal de 167%. Finalmente, a rubrica do lucro líquido saiu de R$ 12,5 bi e atingiu R$ 31 bi, fazendo com que os bancos obtivessem um crescimento nominal de 148% nessas contas."

O trecho acima é parte do artigo de Paulo Kliass. Vale muito ler na íntegra, aqui.

E tem mais: a paulada da dívida pública

Somente em 2009, R$ 380 bilhões foram alocados para juros e amortizações da dívida pública. Isso representou 36% do orçamento do país. Outro bolo foi destinado à rolagem da dívida, comprometendo parcela ainda mais significativa do orçamento da União. Enquanto isso, foram destinados menos de 3% para educação e menos de 5% para saúde.

sábado, 3 de julho de 2010

Estupidez e Filosofia

“aos que mal intencionados perguntam: para que serve  a filosofia? Há que responder segundo um conselho de Nietzsche: ela serve, pelo menos, para envergonhar a estupidez, para fazer da estupidez qualquer coisa de vergonhoso”. Gilles Deleuze

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A boa briga contra o platonismo que ainda, infelizmente, impera na cultura, na ciência, na educação, no viver ocidental (quiçá, oriental)

Platão e o simulacro, de Gilles Deleuze

Que significa “reversão do platonismo”? Nietzsche assim define a tarefa de sua filosofia ou, mais geralmente, a tarefa da filosofia do futuro. Parece que a fórmula quer dizer: a abolição do mundo das essências e do mundo das aparências. Tal projeto, todavia, não seria próprio a Nietzsche. A dupla recusa das essências e das aparências remonta a Hegel e, melhor ainda, a Kant. É duvidoso que Nietzsche pretenda dizer a mesma coisa. Bem mais, tal fórmula – “reversão” – tem o inconveniente de ser abstrata; ela deixa na sombra a motivação do platonismo. Reverter o platonismo deve significar, ao contrário, tornar manifesta à luz do dia esta motivação, “encurralar” esta motivação – assim como Platão encurrala o sofista.
 
" Definimos a modernidade pela potência do simulacro. Cabe à filosofia não ser moderna a qualquer preço, muito menos intemporal, mas destacar da modernidade algo que Nietzsche designava como o intempestivo, que pertence à modernidade, mas também que deve ser voltada contra ela – “em favor, eu o espero, de um tempo por vir”. Não é nos grandes bosques nem nas veredas que a filosofia se elabora, mas nas cidades e nas ruas, inclusive no que há de mais factício nelas. O intempestivo se estabelece com relação ao mais longínquo passado, na reversão do platonismo, com relação ao presente, no simulacro concebido como ponto desta modernidade crítica, com relação ao futuro no fantasma do eterno retorno como crença do futuro. O factício e o simulacro não são a mesma coisa. Até mesmo se opõem. O factício é sempre uma cópia de cópia, que deve ser levada até o ponto em que muda de natureza e se reverte em simulacro (momento da Pop’Art). O factício e o simulacro se opõe no coração da modernidade, no ponto em que esta acerta todas as suas contas, assim como se opõem dois modos de destruição: os dois niilismos. Pois há uma grande diferença entre destruir para conservar e perpetuar a ordem restabelecida das representações, dos modelos e das cópias e destruir os modelos e as cópias para instaurar o caos que cria, que faz marchar os simulacros e levantar um fantasma – a mais inocente de todas as destruições, a do platonismo."
 
 
Download do texto na íntegra (13 páginas em PDF)  na Biblioteca Nômade

sábado, 19 de junho de 2010

A necessidade de Filosofia - por José Saramago


"Acho que na sociedade atual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objetivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objetivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma."

José Saramago -  Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008

O Fábio, colega da PCS 5757, enviou essa do Saramago pelo Twitter, dedicada a mim. Obrigada Fábio.
Respondi a ele: a filosofia ao menos nos ensina a morrer. Saramago soube morrer porque até o ano passado, pelo menos, estava trabalhando, ou seja, pensando. 
E acrescento, a gente morre muitas vezes em vida. Muitas. Morrem amores, a gente morre um bocado junto com cada amor que se vai; morrem pessoas queridas,  um pedaço da gente morre com elas; morrem nossas idéias decadentes (é preciso mesmo saber manejar o punhal que mata as idéias decadentes); morrem os escritores que a gente gosta, um bocado da gente vai com eles.  Mas, como bem disse o Spinoza, "quando morre um homem, um outro nasce". Ou nasce na gente mesmo, quando as mortes são em vida, ou nasce além de nós. A natureza, incessantemente renovadora da vida.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Promessa é coisa séria: vou cumprir todas

Heráclito de Éfeso (século V AC)

Prometi postar aqui resumo sobre a aula da Regina Silveira sobre tecnologias de transmissão vídeo digital.  Era pra ter sido postado no dia 05, não deu por causa de outras afazeres urgentes, mas vou postar em breve. Também vou postar  meu trabalho de conclusão do curso PCS 5757 "Fazendo rizoma entre a Educação sem Distância e a Filosofia da Diferença". São postagens que preciso trabalhar bem, por isso a demora. Estou agora empenhada em outras tarefas... , muitas, uma delas é estudar matemática, reaprender os limites... com o professor Marcio Eisencraft, numa disciplina que estou cursando na UFABC.  Depois, vou tirar férias deste blog por um bom tempo (7 meses) para poder me dedicar de corpo e alma, inclusive em uma longa viagem,  ao meu projeto de pesquisa "O Corpo sem Órgãos do Conhecimento". Esse projeto vai ter um website aberto à participação dos interessados na pesquisa.  Além da orientação da engenheira Itana Stiubiener, estou esperando contar com a co-orientação do filósofo Daniel Lins, pois o projeto faz uma conexão entre Filosofia da Diferença e Engenharia da Informação. Nesse sentido, fundamental também continuar meus cursos, atualmente a distãncia, com o filósofo Amauri Ferreira, como o atual "Assim falou Zaratustra". Enfim, estou na boa luta da vida. Aquela luta de que o Heráclito falou "a guerra é o rei e o pai de todas as coisas".  Mas não é guerra de matar os outros, é guerra de matar besteiras... hábitos, dependências, idéias velhas, relacionamentos que não produzem alegrias. E construir o que presta: os bons encontros e as paixões alegres. Por aí.


segunda-feira, 7 de junho de 2010

Lorca por Roth

Hoje não é mais o aniversário do Lorca, mas acabo de receber as respostas da entrevista que havia enviado por e-mail ao artista plástico João Luiz Roth.  Está excelente. Confira, pois acrescenta bastante ao que foi escrito por mim ontem.  

Nascido em Santa Maria - RS em 1951, João Luiz Roth é graduado em Desenho e Plástica pela Universidade Federal de Santa Maria. Realizou estudos na Escuella Superior de Bellas Artes de San Fernando da Universidad Complutense de Madrid. É Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria junto ao Curso de Comunicação Social do Centro de Ciências Sociais e humanas.

É autor de uma obra densa em artes plásticas. Uma parte do seu importante e belo trabalho está exposto no seu site, ao qual vale muito uma visita



Marta - Qual a sua aproximação com Federico Garcia Lorca?

Roth - Meu primeiro contato com Lorca foi ainda quando, muito jovem, fui estudar na Espanha. Era os anos 70, uma época de grandes transformações. Vivi lá, os últimos momentos de Franco e a reinauguração da democracia. Antes desta democracia, a Espanha era um país difícil. As sequelas da guerra civil, por incrível que pareça, ainda eram evidentes. Muito do que se falava, inclusive sobre Lorca, ainda era em sussurros, ou em um tom baixo, discreto, como que se fossemos, ou pudéssemos ser denunciados a algum órgão de segurança do estado policialesco. Minha sensação parece ser que, com a morte do “generalíssimo, além da alforria ao povo, houve um renascer de antigos valores, que se tornaram cada vez mais atuais. Acredito que Lorca, se inclui nestes valores que se tornaram mitos. O mito Lorca, aparece como o do homem adiante de seu tempo, do homem contemporâneo que tem necessidade de ser fecundo com o seu destino em um mundo palco composto pelas mais variadas construções simbólicas. Foi assim que fui apresentado a Lorca, o Andaluz, e com ele seus amigos Luís Buñuel, Salvador Dali, Antonio Machado, Manuel Falla e Rafael Alberti.

Acredito que inicialmente a coragem do homem Lorca me motivou. Logo depois homem e obra se tornaram indivisíveis. Quem deparasse com sua figura, de aparente fragilidade, não poderia supor a coragem de um jovem que desenvolveu o seu talento, assumiu sua homossexualidade em uma época de preconceitos políticos e religiosos. Esse conjunto de coragem e de idéias, resultaram em uma obra densa que é Terroir e universal ao mesmo tempo.

M -  Peço que aponte um dos seus 16 retratos de Lorca para ilustramos essa entrevista e, por favor, comente essa obra.

R -  A série em homenagem a Lorca começou há muitos anos atrás, em um estudo que eu fiz sobre a Guerra Civil Espanhola. Neste trabalho, meu foco era a de uma leitura plástica da origem do conflito entre 1929 e 1936, um período crítico que resultou no acirramento entre a direita e esquerda. Concluindo com Franco assumindo o poder e finalizando a República Socialista. Nesta caminhada cheguei a Lorca e através dele fiz uma nova leitura. Na leitura de Lorca, talvez a gravura que para mim melhor o representa seja o trabalho abaixo.

Federico Garcia - Escritas Plásticas - João Luiz Roth

Nesse trabalho, tentei fazer uma análise acerca do real e do imaginário que conferimos a Lorca, daquilo que se tem chamado abstração ou objetivação de sua obra, que, para mim, mesmo parecendo difuso não se deixa confundir que ali esta mesmo a imagem do poeta. A cor roxa que aparece na gravata e nos olhos funciona como um indicativo de uma personalidade marcante, questionadora do comportamento coletivo e pronta para quebrar os padrões estabelecidos.

M -  Além de cores, a mim seus retratos de Lorca são também sonoros. Será que captei os seus sons interiores ao desenhar cada um desses 16 retratos? Para você, esse trabalho tem a ver com sonoridade?

R -  Acredito que ninguém fica impune com as coisas de Espanha. É uma cultura deliciosa, impar que gerou contribuições e manifestações para a história da civilização ocidental que antecede o medievo. São comportamentos próprios, são cores com grande personalidade, são paladares muito singulares, são sons que se transformam em músicas e ritmos que não se esgotam no flamenco andaluze na guitarra acústica. Outros estilos regionais podem muito bem ser sentidos como por exemplo Aragão, Catalunha, Valência, Castela, Leão e Astúrias. Isso sem falar na peculiar zarzuela. Então, não há como se desconectar o som, a cor, o paladar, os cheiros, tudo isso resulta em uma infinidade de elementos que compõem a variada perceção daquilo que nossa vivência e imaginação delega à Espanha.

M - Há uma conferência do Lorca  de 1928 chamada "Sketch de la nueva pintura" em que ele enterra toda a "velha pintura" e saúda a "nova pintura" inaugurada pelo cubismo, que ele admira mas reconhece ter se esgotado depois de um tempo. É com o surrealismo que ele mais se identifica, depositando grande expectativa nesse momento da pintura  ( nas palavras textuais dele, o surrealismo seria "la pintura libertada por las abstracciones disciplinadas del cubismo, dueña de una inmensa técnica de siglos, entra em período mistico, incontrolado, de suprema belleza. Se empieza a expressar lo inexpressable") . Na sua opinião, Lorca tinha razão ao sustentar tamanha fé e alegria com o futuro a partir do surrealismo?

R - Acredito que sim. Arte é um processo em constante mutação e construção. Quanto à questão do surrealismo e do cubismo, Lorca era amigo de Dalli, talvez este seja o motivo de um certo olhar positivo de Lorca acerca do surrealismo. Porém, muito embora as duas contribuições tenham sido definitivas para a história da arte, não há como mensurar seu grau de importância em relação uma a outra. É muito difícil comparar o cubismo e surrealismo. Por exemplo, Picasso enfatizou linhas irregulares e cantos para criar um trabalho que mais parecia uma escultura de uma pintura enquanto o Surrealismo de Dalí tinha sua inspiração na psicologia freudiana, onde os objetos comuns eram submetidos a mundo de sonhos através da visão do subconsciente. Não há como comparar. 

Les demoiselles d'Avignon - Pablo Picasso - 1907

Acredito que Lorca ficaria satisfeito com as manifestações contemporâneas. Acho que ele não ficaria indiferente a Andy Warhol, Basquiat, Lucian Freud, Vasarely entre outros. Isso sem falar no pós-modernismo que tem como objetivo erradicar as divisões entre arte, cultura popular e da mídia. É, definitivamente o Lorca estaria com os pós-modernos empregando influências de uma série de movimentos passados e aplicando-as às formas modernas. Lorca seria hoje, um homem de seu tempo, abraçando a diversidade, ignorando fronteiras de gênero, incentivando a mistura de idéias, mídias e formas de promover a paródia, o humor, a ironia e a tragédia.


Future Science Versus Man - Jean-Michel Basquiat - 1983


M - Seu trabalho na série Escrita Plástica conta com elementos tradicionais da artes plásticas mesclado com elementos da tecnologia informatizada. Qual o sentido dessa mistura de linguagens antigas e atuais?

R - Acredito que comecei a me interessar por este conceito lá pelos anos 80 quando as diversos manifestações sejam elas arte, literatura, arquitetura, música, cinema, literatura, sociologia, comunicação, moda, tecnologia começaram a tentar ter uma interface. Fiquei empolgado com a da possibilidade de trabalhar diversas mídias ao mesmo tempo. E assim começou um projeto onde a imagem contivesse a idéia de uma linguagem transparente, que o produto plástico, servisse apenas como representações de pensamentos ou coisas, e não de uma função além dessa. A idéia de não ter originais, ter "simulacros" também motivou , então comecei um processo de familiarização com a computação gráfica e a relação amigável entre os diversos procedimentos, fossem eles o desenho, a fotografia, ou a pintura. Então, para realizar essas infogravuras, utilizei ofícios tradicionais como desenho, gravura, pintura e fotografia, associados, que scaneados e acrescidos e aperfeiçoados pelos avanços da tecnologia informatizada resultaram neste trabalho.


Ernesto Che Guevara - Escrita Plástica -  João Luiz Roth

M - Da obra teatral e poética de Lorca, o que você destaca?

R -  Não sou um especialista em Lorca, sou um apreciador. Me parece que Bodas de Sangue e Yerma são suas peças mais conhecidas, mas O sortilégio da mariposa vale a pena. Na poesia, talvez mereça atenção Minha menina se foi ao mar das Canciones Andaluzas.

Mi niña se fue a la mar

Mi niña se fue a la mar,
a contar olas y chinas,
pero se encontró, de pronto,
con el río de Sevilla.

Entre adelfas y campanas
cinco barcos se mecían,
con los remos en el agua
y las velas en la brisa.

¿Quién mira dentro la torre
enjaezada, de Sevilla?
Cinco voces contestaban
redondas como sortijas.

El cielo monta gallardo
al río, de orilla a orilla.
En el aire sonrosado,
cinco anillos se mecían.

Nota: Grande parte da obra de Federico Garcia Lorca, em espanhol, está publicada aqui.

domingo, 6 de junho de 2010

Manuel Falla: "¡ Ole ! ¡ Eso tiene duende !'

Desenho do Lorca

Das 6 horas da manhã de hoje até agora, meia noite, comemorei os 112 anos de Federico García Lorca através de sete postagens abaixo. E com esse post, encerro, convocando o grande amigo de Lorca, Manuel Falla e seu "El amor brujo - dança ritual do fogo", com esse trecho do filme de Carlos Saura. 

sábado, 5 de junho de 2010

VERDE QUE TE QUERO VERDE

Meu livro preferido de Lorca, no conjunto, é o Poeta em Nova York, mas meu poema preferido é Romance Sonâmbulo. O famoso Verde que te quero verde, cantado por Ana Belén e Manzanita.





Federico Garcia Lorca

(A Gloria Giner e a
Fernando de los Rios)


Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.

Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.

Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga.
— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.

Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!

Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.

Paco de Luccia

Que nem se fazia antigamente (e ainda se faz) em programa de rádio, dedico essa música do Paco de Luccia, Entre dos aguas (numa gravação de 1976), ao meu filho Maurício que,  como Lorca, toca violão e piano e que aprende a gostar música espanhola através do contemporâneo Paco de Luccia.  Ao Allen que me levou para conhecer a Espanha na nossa última viagem. Ao espanhol que encontrei no trem entre Granada e Barcelona e disse não gostar de Paco de Luccia, defendendo o flamenco "de raiz", e me disse ao saltar do trem em Valencia: "Segue sendo louca, segue lendo Lorca".  Ao Vinício que vive entre duas águas. Aos amigos que não se importam com nada que eu diga. Aos estranhos amigos que visitam este blog. Às mulheres "velhas" que dançam.  Ao Nietzsche que morreu dois anos após nascer Lorca,  que tanto o leu .


Cartografia do duende de Lorca: Nietzsche,Silverio, Manuel Torres, mulheres "velhas" que dançam e tudo e todos que temos "sonidos negros"!

Um dos livros de Lorca que comprei na viagem à Espanha foi Conferências II (infelizmente não achei o Volume I ). E fiquei encantada com essas conferências de Lorca, especialmente com uma  delas, Juego Y Teoria del Duende.  E passei a querer, quase que obssessivamente, a ver o tal duende. E procurava o flamenco com duende. Não é fácil encontrar esse flamenco na Espanha turística! Mas eu o procurei tanto que  achei alguns espetáculos que,  mesmo com clientelas de turistas, era o duende que Lorca se referia nessa conferência.

Agora com o Youtube a gente pode ver o mais autêntico flamenco. O flamenco com duende. Seguem alguns trechos da tal conferência e vídeos no Youtube com os artistas referidos por Lorca.

"Este 'poder misterioso que todos sienten y que ningún filósofo explica' es, en suma, el espíritu de la sierra, el mismo duende que abrazó el corazón de Nietzsche, que lo buscaba en sus formas exteriores sobre el puente Rialto o en la música de Bizet, sin encontrarlo y sin saber que el duende que él perseguía había saltado de los misteriosos griegos a las bailarinas de Cádiz o al dionisíaco grito degollado de la siguiriya de Silverio." 

Mas quem foi esse Silvério?  Nada mais, nada menos que o criador do flamenco!!! Um jardineiro, também criador de violetas: Silverio Franconetti.




" En toda Andalucía, roca de Jaén y caracola de Cádiz, la gente habla constantemente del duende y lo descubre en cuanto sale con instinto eficaz. El maravilloso cantaor El Lebrijano, creador de la Debla, decía: 'Los días que yo canto con duende no hay quien pueda conmigo"; la vieja bailarina gitana La Malena exclamó un día oyendo tocar a Brailowsky un fragmento de Bach: ' ¡Ole! ¡Eso tiene duende!', y estuvo aburrida con Gluck y con Brahms y con Darius Milhaud. Y Manuel Torres, el hombre de mayor cultura en la sangre que he conocido, dijo, escuchando al propio Falla su Nocturno del Generalife, esta espléndida frase: 'Todo lo que tiene sonidos negros tiene duende' . Y no hay verdad más grande."

Se você gostar de duende como eu gosto, vai gostar de ouvir o Manuel Torre.


"Una vez, 'la cantaora' andaluza Pastora Pavón, La Niña de los Peines, sombrío genio hispánico, equivalente en capacidad de fantasía a Goya o a Rafael el Gallo, cantaba en una tabernilla de Cádiz. Jugaba con su voz de sombra, con su voz de estaño fundido, con su voz cubierta de musgo, y se la enredaba en la cabellera o la mojaba en manzanilla o la perdía por unos jarales oscuros y lejanísimos. Pero nada; era inútil. Los oyentes permanecían callados. (...) Entonces La Nina de los Peines se levantó como una loca, tronchada igual que una llorona medieval, y se bebió de un trago un gran vaso de cazalla como fuego, y se sentó a cantar sin voz, sin aliento, sin matices, con la garganta abrasada, pero... con duende. Había logrado matar todo el andamiaje de la canción para dejar paso a un duende furioso y abrasador, amigo de vientos cargados de arena, que hacía que los oyentes se rasgaran los trajes casi con el mismo ritmo con que se los rompen los negros antillanos del rito, apelotonados ante la imagen de Santa Bárbara. "

Voz de estanho fundido, voz coberta de musgo. Que estranho. Como é isso?  Ouça "La Nina de los Peines":


"Hace años, en un concurso de baile de Jerez de la Frontera se llevó el premio una vieja de ochenta años contra hermosas mujeres y muchachas con la cintura de agua, por el solo hecho de levantar los brazos, erguir la cabeza y dar un golpe con el pie sobre el tabladillo; pero en la reunión de musas y de ángeles que había allí, bellezas de forma y bellezas de sonrisa, tenía que ganar y ganó aquel duende moribundo que arrastraba por el suelo sus alas de cuchillos oxidados.

Todas las artes son capaces de duende, pero donde encuentra más campo, como es natural, es en la música, en la danza y en la poesía hablada, ya que estas necesitan un cuerpo vivo que interprete, porque son formas que nacen y mueren de modo perpetuo y alzan sus contornos sobre un presente exacto."

O que pode um corpo? O que pode um corpo de uma mulher considerada "velha" pelos outros?


E dá-lhe mais mulheres "velhas" dançando como touro. Olé! Mulheres com duende.



"El duende no se repite, como no se repiten las formas del mar en la borrasca.
En los toros adquiere sus acentos más impresionantes, porque tiene que luchar, por un lado, con la muerte, que puede destruirlo, y por otro lado, con la geometría, con la medida, base fundamental de la fiesta.
El toro tiene su órbita; el torero, la suya, y entre órbita y órbita un punto de peligro donde está el vértice del terrible juego."

Tourada? Mas que violência é essa? Ecológico! E o que você acha de uma vida no trânsito da metrópole?  E o que você acha de um assalto armado numa esquina?




"El duende... ¿Dónde está el duende? Por el arco vacío entra un aire mental que sopla con insistencia sobre las cabezas de los muertos, en busca de nuevos paisajes y acentos ignorados: un aire con olor de saliva de niño, de hierba machacada y velo de medusa que anuncia el constante bautizo de las cosas recién creadas."

Ainda há duende na Espanha turística! Foi o que procurei ver e vi na Espanha de Lorca. Meninos, meninas, eu vi e ouvi em Cordoba: Curro Malena e Juan Habichuela, entre outros com duende


Vida e morte em Lorca

Vídeo sobre a vida e a obra de Lorca feito por um canal de TV da Andaluzia.



 Los cuatro muleros, de Lorca, cantado por Estrella Morente, acompanhada pela guitarra de Juan Habichuella.


Cantares Populares *

Los Cuatro Muleros

De los cuatro muleros
que van al campo,
el de la mula torda,
moreno y alto.

De los cuatro muleros
que van al agua,
el de la mula torda
me roba el alma.

De los cuatro muleros
que van al río,
el de la mula torda
es mi marío.

¿A qué buscas la lumbre
la calle arriba,
si de tu cara sale
la brasa viva?

* Cantares Populares são 13 cañções recolhidas e harmonizadas por Lorca.


LORCA QUE TE QUERO LORCA

EL POETA PIDE A SU AMOR QUE LE ESCRIBA

Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
Corazón interior no necesita
la miel helada que la luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena pues de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.

Federico Garcia Lorca



Lorca ao piano acompanhando sua grande amiga Argentinita
Há 12 anos atrás fui passear na Espanha. E eis que cheguei em Madri em pleno verão, mas fazia um frio daqueles (efeito do El Nino) e eu não havia levado roupas de inverno e não havia roupas de inverno para se comprar nas lojas da cidade. Nas vitrines e prateleiras, só biquines, shorts, mini-saias, vestidinhos frugais... A sorte é que meu esposo estava no Brasil e iria embarcar em uma semana para me encontrar e me prometeu levar casacos, meias, cachecóis etc. O que fazer até ele chegar?  Ler. Ler no calor do quarto do hotel!  Ler em espanhol para aprender um pouco a língua pois iríamos viajar por um mês pelo país. Não sabíamos por onde... Nomadismo. Ciganismo.

"...yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa."

Numa suntuosa livraria ao lado do hotel, comprei vários livros: Borges, Bioy Casares, Ortega y Gasset, Federico Garcia Lorca. Comecei pelo Lorca mesmo porque a Espanha comemorava 100 anos do seu nascimento. Então, havia várias reedições da obra dele, livros baratos, de bolso. Eu achava Lorca um poeta difícil, mas decidi encarar e fui encarando, e gostando, e gostando, e gostando. Adorei a poesia de Lorca. E comprei mais livros de Lorca e também um guia turístico de Granada, a cidade de Lorca. Decidi que queria conhecer Granada e a Andaluzia. Durante toda a viagem por Castela, Andaluzia e Barcelona, só dava Lorca na minha cabeça. Andava de braços dados com o Lorca por todos os lugares. E de lá para cá tem sido assim.  Venho conhecendo a sua obra e a história da sua vida. Uma super obra, um além-homem.


Granada - Alhambra - Serra Nevada
Hoje Lorca faria 112 anos. Para mim, ele faz 112 anos. Todos os anos, desde 1999, lembro-me do aniversário de vida (05 de junho) e de morte (na madrugada de 18 para 19 de agosto) do Lorca.  E sempre comemoro de algum jeito seu nascimento. E sempre choro a sua morte.  E isso não se passa só comigo. Há uma verdadeira legião mundial de amigos de Lorca, estudiosos de Lorca, amantes de Lorca. Então, ele está mais vivo do que muitos vivos. Vivo nos corações, vivo no pensamento, vivo no teatro, vivo na poesia, vivo na música. Lorca é mais que um mito, é um sentido.

Monumento a Lorca - Praça das Guianas - São Paulo - SP
Escultura de Flávio de Carvalho
Durante o dia de hoje, vou postar meus sentimentos, minhas homenagens a esse querido amigo da humanidade, que empurra homens e mulheres para o além da humanidade, para a vida intensa, inventiva, alegre, potente. Há quem pense que Lorca foi uma pessoa triste. Sua obra é trágica, sua morte foi trágica. Mas sua vida foi alegre. Lorca dançava, cantava, se irmanava com as mais diferentes pessoas, intelectuais, gente comum, ciganos, negros, marginais, gente famosa, gente sem fama alguma.  Lorca era pura alegria.
Lorca com Margarita Xirgu,
uma das mais importantes intérpretes da obra teatral de Lorca

Foi com alegria que viveu suas tristezas. A tristeza de não ser amado por quem se ama, talvez a maior tristeza da vida.

"¡Oh Salvador Dali, de voz aceitunada!"

Dali que preferiu Elena Ivanovna Diakonova, a famosa Gala. Uma tristeza que em Lorca não foi deprimida. Foi uma tristeza alegre porque aumentava a sua vontade de vida, de novos amores, de novas imaginações.  E eu suspeito que a fase da sua vida mais alegre foi nas Américas. Em 1929 foi para Nova York tentando esquecer esse amor e estudar. Não estudou, mas acho que curou ali sua paixão por Dali, além de ter escrito Poeta em Nova York, obra da literatura universal.  De Nova York foi para Cuba e depois, Argentina. Época, aliás, que seu sucesso explodiu. Sucesso total no teatro. Ganhou muito dinheiro com a montagem de uma peça sua em Buenos Aires (à época, um dos mais importantes centros culturais e teatrais do mundo ocidental). Dinheiro que ele compartilhou com amigos e com estranhos.

Lorca e Dali

Lorca foi um homem muito generoso. Uma noite em Buenos Aires recebeu uma mensagem do seu inconsciente de que precisava ajudar uma pessoa desesperada. Lorca era intuitivo, extremamente intuitivo. Saiu em busca dessa pessoa. Andou pelas ruas de Buenos Aires, entrou em bares, observou as pessoas atentamente. Assim, encontrou um patrício ( um granadino que havia migrado para a Argentina)desesperado, precisando muito de dinheiro e de esperança. Lorca lhe deu muito dinheiro e palavras amigas. E quando partiu da Argentina, deixou para os amigos uma mala que só poderia ser aberta quando ele já estivesse dentro do navio. Voltava para a Espanha onde seria assassinado poucos anos depois.  Na mala deixada, muito dinheiro.

cartaz do filme Bodas de Sangue,
baseado na peça de Lorca

O poema abaixo é para mim um dos mais bonitos de Lorca,  Foi feito em sua viagem à Cuba em 1930. Sobre ele  há muitos estudos. Disponível na internet, em português, indico esse artigo de Elena Godoy, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, Influências mútuas entre Federico Garcia Lorca e Nicolas Guíllen. E há também esse vídeo, o poema musicado por Michel Camilo,  cantado por Ana Belén.





Cuando llegue la luna llena
iré a Santiago de Cuba,
iré a Santiago,
en un coche de agua negra.
Iré a Santiago.
Cantarán los techos de palmera.
Iré a Santiago.
Cuando la palma quiere ser cigüeña,
iré a Santiago.
Y cuando quiere ser medusa el plátano,
Iré a Santiago
con la rubia cabeza de Fonseca.
Iré a Santiago.
Y con la rosa de Romeo y Julieta
iré a Santiago.
Mar de papel y plata de monedas
Iré a Santiago.
¡Oh Cuba! ¡Oh ritmo de semillas secas!
Iré a Santiago.
¡Oh cintura caliente y gota de madera!
Iré a Santiago.
¡Arpa de troncos vivos, caimán, flor de tabaco!
Iré a Santiago.
Siempre dije que yo iría a Santiago
en un coche de agua negra.
Iré a Santiago.
Brisa y alcohol en las ruedas,
iré a Santiago.
Mi coral en la tiniebla,
iré a Santiago.
El mar ahogado en la arena,
iré a Santiago,
calor blanco, fruta muerta,
iré a Santiago.
¡Oh bovino frescor de cañavera!
¡Oh Cuba! ¡Oh curva de suspiro y barro!
Iré a Santiago.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Festa no blog

Amanhã, 05 de junho, tem festa neste blog: aniversário de 112 anos do poeta, dramaturgo, músico Garcia  Lorca!

Federico García Lorca foi morto por tropas falangistas no dia 19 de agosto de 1939 em Viznar, Granada. Mataram-no da forma mais cruel e covarde: pelas costas. Nossa "vingança" tem sido ler e refletir a pungente obra de Lorca. Ele continua vivo. Muitas vezes ando de braços dados com ele. Me leva para conhecer os seus duendes.
"Todo lo que tiene sonidos negros tiene duende."