domingo, 16 de maio de 2010

"Nietzsche e a apologia da beleza" anotações da palestra de Daniel Lins

"Quem conta um conto, aumenta um ponto". No caso, acho que diminui os pontos, mas peguei as linhas mais fortes.
Maurice Bejart: um  Deus que dança
Cheguei atrasada na palestra "Nietzsche e a apologia da beleza", do psicanalista e filósofo Daniel Lins. Perdi o vídeo inicial, uma apresentação do Ballet de Maurice Bejart. Bejart era leitor de Nietzsche que tinha grande apreço pela dança. A vida como dança, o Eterno Retorno como dança, a escrita como dança, Dionísio dançarino, pensamento bailarino. São inúmeras as referências à dança, bem como à música,  na obra de Nietzsche.  Bejart, como nietzschniano, reinventou a dança, reiventou o corpo que dança, tornando-se, se não a principal, uma das maiores referências da dança contemporânea.  Os corpos voam no ballet de Bejart, assim como na obra de Nietzsche. Bejart e Nietzsche têm muito em comum, uma delas é o nomadismo. Nietzsche foi um andarilho não só porque viajava sempre, caminhava muito, e sim, sobretudo, porque tinha um pensamento nômade, pensou o impensável. Bejart construiu uma companhia de ballet com bailarinos de 17 nacionalidades e quebrou com a estética formal do corpo, fazendo a construção poética da beleza.

"Elevai, elevai cada vez mais os vossos corações, meus irmãos! E não vos esqueçais também das pernas! Alçai as pernas, bons bailarinos, e suster-vos-eis até a cabeça. [...] vale mais estar doido de alegria do que de tristeza; vale mais dançar pesadamente do que andar claudicando. Aprendei, pois, comigo a sabedoria: até a pior das coisas tem dois reversos, até a pior das coisas tem pernas para bailar; aprendei, pois, vós, homens superiores, a afirmar-vos sobre boas pernas." Nietzsche - Assim falou Zaratustra
"Malgré la merde, je crois” - Maurice Bejart

Como não sei qual foi o vídeo projetado no início da palestra, uso a imaginação e o Youtube, sugerindo algumas cenas fantásticas de espetáculos coreografados e dirigidos por Bejart.

Romeo e Julieta


Ballet pela Vida - No dia Mundial contra a AIDS


Zaratustra - O canto da dança



Renascimento italiano: o limite é o não limite
Na primeira parte da palestra, Lins abordou a relação do jovem Nietzsche com Itália da Renascença. Aos 25-26 anos apaixonou-se pelas cidades italianas, especialmente Roma e as cidades da Renascença (Toscana, Florença, Nápoles, Turim, Veneza etc.) porque via nelas a qualidade que permite a criação das artes e da ciência: espiritualização da força do homem. Depois dos tempos obscuros, os tempos gloriosos da Europa, retomando valores da Grécia da Antiguidade Clássica, tão admirada por Nietzsche.  Ficou particularmente deslumbrado com a obra de Michelangelo Buonarroti, com a beleza do tratamento dado ao duo masculino-feminino e mais ainda ao erotismo masculino. Michelangelo,  mesmo debaixo do controle da Igreja católica, foi livre ao pintar até mesmo as nádegas de Deus nos afrescos da Capela Sistina. Isso colaborou com a idéia de Nietzsche de que o único limite para o pensamento é o não limite.


Razão nômade: o pensamento contra a opinião e a representação

Na segunda parte da palestra, Lins apresentou as bases do pensamento de Nietzsche: uma máquina de guerra por um pensamento nômade e não niilista. Escapar do movimento do poder, não ter casa, não ter território. O mundo pertence aos andarilhos. Nietzsche desconstrói tudo, até mesmo a Renascença que ele também criticou. A razão em Nietzsche é uma razão cigana porque busca o não nomeado no pensamento, o pensamento sem imagem. Nietzsche quer o pensamento do que não pode ser pensado.

Como exemplos do malefício do pensamento-imagem, do pensamento-representação, Lins falou sobre a imagem da mulher no pensamento,  responsável por  uma história trágica da mulher:
-  A mulher é fraca...;
 - Socrates, Platão e outros filósofos gregos: a mulher não é gênero humano;
- Antigo Testamento:  referência à mulher como gaster (gastadora e  intestino). Eva (Eve) - originado de évier (em francês) = lavabo;
- Filosofia/psicanálise: mulher como não-ser, inexistente, intocável. Lacan:  "la femme n´exite pas".
- Igreja católica: o corpo da mulher como pecado e sujeira " A mulher é uma rosa fétida", a mulher só pode ser salva, parindo... .

A vida como obra de arte
A última parte da palestra foi a mais emocionante pra mim. Nem consegui anotar direito pois a minha atençaõ já não me pertencia. Entrei em flow, acabou a separação entre sujeito e objeto. Mergulhei na fala do Daniel que foi mais ou menos assim:
Para Nietzsche, o homem é uma pedra que precisa ser esculpida, o homem é incompleto e indeterminado. E o escultor deve ser o próprio homem. Cada um deve se inventar através do nomadismo, ou seja, transformação o tempo todo. Não responsabilizar ninguém pela sua vida. Transformar a vida pela invenção, fazendo da vida uma obra de arte. Como?  
Alegria: procurar a beleza onde ninguém procura. Nietzsche quer ver a beleza na alegria, assim como Spinoza (" alegria é a base do belo").
A grande sáude: Não se pode viver sem alguns hábitos ("seria a sua Sibéria", diz Nietzsche), mas é decisivo romper com os hábitos sistemáticos, duradouros que impedem o novo de chegar. Dar tempo ao ócio criativo que inclusive é produtor de progresso. "A crise começa quando o velho não quer morrer e o novo não pode nascer", uma das frases famosas de Nietzsche. Muito difícil não ficar doente quando se aposenta da vida como beleza.
Imaginação: sem imaginação não se pode pensar o belo. A imaginação morre quando se forma o déspota (desejo de morte). A imaginação é assassinada pela opinião, pela informação (palavra de ordem, pensamento único).

Exemplo de representação: fado quem canta é Amália Rodrigues. Para "desmontar" a representação e mostrar a invenção, Lins projetou outro vídeo: Mariza, uma cantora nascida em Moçambique que os moçambicanos não  reconheciam como moçambicana porque ela é loira (representação) e os portugueses não a reconheciam como fadista porque ela é moçambicana (representação). Mariza é nômade. Seu canto é singular, seu fado é diferente.

Mariza num show em Lisboa



Daniel Lins
Daniel Lins é professor da Universidade Federal do Ceará e ativo em diversos setores da sociedade cearense. É também pesquisador da subjetividade e da vida contemporânea. Estudou profundamente a história da filosofia no Brasil e na França - onde fez a maior parte de sua formação acadêmica. Formou opiniões próprias, sem aderir ao jargão da história da filosofia. Investiu no rigor da experiência do pensar que não teme a escolha de objetos da vida comum.


As manifestações contemporâneas das teorias que enveredam pela sociologia e pela psicanálise forjam em seus diversos livros um diálogo em que a interdisciplinaridade e a pluralidade são básicas. Pensador para além das fronteiras, manifesta uma coragem da teoria que lança um novo programa para o contexto do debate brasileiro. Um debate em que estão em cena a coragem, a ousadia e a defesa de um ideal de resistência em que o desejo dê asas à escrita, ao diálogo e à reflexão sobre a realidade social e política.

Referências de Daniel Lins  extraídas da Revista Cult , numa entrevista em que aborda a Interdisciplinaridade.

Outras referências na internet

Vídeo-palestras:
Alegria como força revolucionária, etica e estética dos afetos - CPFL Cultura - Café Filosófico
Deleuze e o álcool - CPFL Cultura - Café Filosófico
A morte como acontecimento - CPFL-Cultura - Café Filosófico

Alguns dos livros de Daniel Lins


Em meio ao turbilhão de pensamentos e versos que anotei na palestra, o mais "bem " comportado foi esse:

ABCDaniel  
A de Alegria.
B de Beleza.
C de Corpo.
Desejo Dionísio.
D de Daniel.

Trabalho final do curso PCS 5757


Começo a me concentrar na elaboração do trabalho do curso Tecnologias para a Educação Virtual Interativa. O tema do trabalho:

Conceitos de Presença, Distância, Virtual e Jogo na Filosofia da Diferença e a Educação sem Distância.

Farei assim "rizoma" entre o pensamento de Deleuze, Nietzsche e Bergson com o livro do professor Romero Tori Educação sem distância - as tecnologias interativas na redução de distâncias em ensino e aprendizagem.

É um desafio para mim. Mas desafios é tudo que a  gente precisa na vida, na produçao de conhecimento e na educação. Aliás, três coisas inseparáveis.