sexta-feira, 22 de outubro de 2010

SEXO DRUMOND CARRACCI


Para o Sexo a Expirar

Para o sexo a expirar eu me volto, expirante,
raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor — o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.

Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
a minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
onde o gozo maior me propicia a amada.

Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo quem sabe?
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
antes que, deliciosa, a exploração acabe.



Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
e assim possa eu partir, em plenitude o ser,
de sémen aljofrando o irreparável ermo.


Carlos Drummond de Andrade, O Amor Natural'


Gravuras Agostino Carracci


Uma oração


Jorge Luis Borges


Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.

Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.

LORCA



Arbolé arbolé seco y verdé

Arbolé arbolé
seco y verdé

La niña de bello rostro
está cogiendo aceituna.
El viento, galán de torres,
la prende por la cintura.
Pasaron cuatro jinetes,
sobre jacas andaluzas,
con trajes de azul y verde,
con largas capas oscuras.
"Vente a Granada, muchacha."
La niña no los escucha.
Pasaron tres torerillos
delgaditos de cintura,
con trajes color naranja
y espada de plata antigua.
"Vente a Sevilla, muchacha."
La niña no los escucha.
Cuando la tarde se puso
morada, con luz difusa,
pasó un joven que llevaba
rosas y mirtos de luna.
"Vente a Granada, muchacha."
Y la niña no lo escucha.
La niña del bello rostro
sigue cogiendo aceituna,
con el brazo gris del viento
ceñido por la cintura.

Arbolé arbolé
seco y verdé.

Federico Garcia Lorca - Canciones

LOCOS

Para Jorge Bichuetti
esta ternura de locos que hay en mí
loco corpo sem órgãos


Viva! ¡Viva! ¡Viva!
Loca el y loca yo...
¡Locos! ¡Locos! ¡Locos!
¡Loca el y loca yo

DESEJO

"Le DESIR... Il y a un désir qui vibre en moi, et je cherche depuis longtemps l'endroit précis où ça tremble... C'est peut-être cette onde qui est la source de ma dance."


ARIADNE

"Ariadne sente que Dioníso se aproxima. Ele é o Leve, o que não se reconhece no homem. Sabe fazer aquilo que o homem superior não sabe: rir, brincar, dançar, isto é, afirmar. Por isso ele está além-do-homem, além do herói, em outra coisa que não é o homem.

Ariadne se alivia com Dioníso, descarregada. A alma torna-se ativa, ao mesmo tempo que o Espírito revela a verdadeira natureza da afirmação. Transmutação de Ariadne diante da aproximação de Dioníso: sendo Ariadne a alma que agora corresponde ao Espírito que diz sim.

Por que Dioníso tem necessidade de Ariadne, ou de ser amado? É que Dioníso é o deus da afirmação; é necessária uma segunda afirmação para que a própria afirmação seja afirmada. Dioníso é a afirmação do Ser, mas Ariadne é a afirmação da afirmação, a segunda afirmação ou o devir-ativo. Para Ariadne, passar de Teseu a Dioníso é uma questão de saúde e de cura. Dioníso precisa de Ariadne. Dioníso é a afirmação pura; Ariadne é a alma, a afirmação redobrada, o sim que responde ao sim. É bem nesse sentido que o Eterno Retorno é o produto da união entre Dioníso e Ariadne. Ser do devir, o Eterno Retorno é o produto de uma dupla afirmação que faz retornar o que se afirma e só faz devir o que é ativo. Nem as forças reativas nem a vontade de negar retornarão porque são eliminadas pela transmutação, pelo Eterno Retorno que seleciona.

Ariadne esqueceu Teseu, que já não é nem sequer uma má recordação. Teseu jamais retornará. O labirinto já não é o caminho no qual nos perdemos, porém o caminho que retorna. O labirinto já não é o do conhecimento e da moral, e sim o da vida e do Ser como vivente."

Gilles Deleuze - O mistério de Ariadne segundo Nietzsche


Baco e Ariadne  1523  Tizian

Ariadne em Naxos  1820  John Vanderlyn

"Eu, Ariadne,
 caminho no que teço,
no que vomito
 da náusea de fiar
os novelos exatos."
Labirinto - Myriam Fraga

Baco e Ariadne 1821 Antoine Joan
Ariadne em Naxos 1877 Evelin de Morgan

“Te atravesso com a espada
 de meus gritos,
tua solidão é minha
como os mitos
com que teço esta rede
armadilha de seda,
projeto para o sono
 deste monstro que habita
os labirintos.”
Labirinto - Myriam Fraga



Ariadne Venus e Baco  1576 Tintoreto

Abaixo, trecho da ópera Ariadne auf Naxos de Richard Strauss pela fantástica Anna Tomowa

 

O labirinto


"Este é o labirinto de Creta. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos naquela manhã e continuamos perdidos no tempo, esse outro labirinto." Jorge Luis Borges


MINOPAUTA
Myriam Fraga

Não te mires no espelho
Côncavo das virtudes.

Esquece o labirinto.

Não cogites,
Devora.


MINOGRAM

Don’t look
In the concave mirror
Of virtue.

Forget the labyrinth.

Don’t think,
Devour.


O SAGRADO DIZER SIM

AMOR FATI
Friedrich Nietzsche  The Three Metamorphoses 2005 Werner Horvath

Friedrich Nietzsche

"Não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo".

"Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: - assim me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas.


"Amor fati (amor ao destino): seja este, doravante, o meu amor." Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja ‘desviar o olhar’! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia apenas alguém que diz sim."

ENCONTROS : DOBRAS DAS ALMAS

THIAGO CALÇADO disse...


Olá Marta. Fico feliz que tenha gostado da minha dissertação. Que bom que alguém se agradou dela. Estou empenhado agora em iniciar meu doutorado em filosofia: o tema será O CORPO COMO PALCO DA TRAGÉDIA EM NIETZSCHE E NELSON RODRIGUES. Vi que você também gosta de teatro. espero podermos nos conhecer para discutirmos o assunto. A diferença é a mãe da humanidade! Salve!