segunda-feira, 7 de junho de 2010

Lorca por Roth

Hoje não é mais o aniversário do Lorca, mas acabo de receber as respostas da entrevista que havia enviado por e-mail ao artista plástico João Luiz Roth.  Está excelente. Confira, pois acrescenta bastante ao que foi escrito por mim ontem.  

Nascido em Santa Maria - RS em 1951, João Luiz Roth é graduado em Desenho e Plástica pela Universidade Federal de Santa Maria. Realizou estudos na Escuella Superior de Bellas Artes de San Fernando da Universidad Complutense de Madrid. É Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria junto ao Curso de Comunicação Social do Centro de Ciências Sociais e humanas.

É autor de uma obra densa em artes plásticas. Uma parte do seu importante e belo trabalho está exposto no seu site, ao qual vale muito uma visita



Marta - Qual a sua aproximação com Federico Garcia Lorca?

Roth - Meu primeiro contato com Lorca foi ainda quando, muito jovem, fui estudar na Espanha. Era os anos 70, uma época de grandes transformações. Vivi lá, os últimos momentos de Franco e a reinauguração da democracia. Antes desta democracia, a Espanha era um país difícil. As sequelas da guerra civil, por incrível que pareça, ainda eram evidentes. Muito do que se falava, inclusive sobre Lorca, ainda era em sussurros, ou em um tom baixo, discreto, como que se fossemos, ou pudéssemos ser denunciados a algum órgão de segurança do estado policialesco. Minha sensação parece ser que, com a morte do “generalíssimo, além da alforria ao povo, houve um renascer de antigos valores, que se tornaram cada vez mais atuais. Acredito que Lorca, se inclui nestes valores que se tornaram mitos. O mito Lorca, aparece como o do homem adiante de seu tempo, do homem contemporâneo que tem necessidade de ser fecundo com o seu destino em um mundo palco composto pelas mais variadas construções simbólicas. Foi assim que fui apresentado a Lorca, o Andaluz, e com ele seus amigos Luís Buñuel, Salvador Dali, Antonio Machado, Manuel Falla e Rafael Alberti.

Acredito que inicialmente a coragem do homem Lorca me motivou. Logo depois homem e obra se tornaram indivisíveis. Quem deparasse com sua figura, de aparente fragilidade, não poderia supor a coragem de um jovem que desenvolveu o seu talento, assumiu sua homossexualidade em uma época de preconceitos políticos e religiosos. Esse conjunto de coragem e de idéias, resultaram em uma obra densa que é Terroir e universal ao mesmo tempo.

M -  Peço que aponte um dos seus 16 retratos de Lorca para ilustramos essa entrevista e, por favor, comente essa obra.

R -  A série em homenagem a Lorca começou há muitos anos atrás, em um estudo que eu fiz sobre a Guerra Civil Espanhola. Neste trabalho, meu foco era a de uma leitura plástica da origem do conflito entre 1929 e 1936, um período crítico que resultou no acirramento entre a direita e esquerda. Concluindo com Franco assumindo o poder e finalizando a República Socialista. Nesta caminhada cheguei a Lorca e através dele fiz uma nova leitura. Na leitura de Lorca, talvez a gravura que para mim melhor o representa seja o trabalho abaixo.

Federico Garcia - Escritas Plásticas - João Luiz Roth

Nesse trabalho, tentei fazer uma análise acerca do real e do imaginário que conferimos a Lorca, daquilo que se tem chamado abstração ou objetivação de sua obra, que, para mim, mesmo parecendo difuso não se deixa confundir que ali esta mesmo a imagem do poeta. A cor roxa que aparece na gravata e nos olhos funciona como um indicativo de uma personalidade marcante, questionadora do comportamento coletivo e pronta para quebrar os padrões estabelecidos.

M -  Além de cores, a mim seus retratos de Lorca são também sonoros. Será que captei os seus sons interiores ao desenhar cada um desses 16 retratos? Para você, esse trabalho tem a ver com sonoridade?

R -  Acredito que ninguém fica impune com as coisas de Espanha. É uma cultura deliciosa, impar que gerou contribuições e manifestações para a história da civilização ocidental que antecede o medievo. São comportamentos próprios, são cores com grande personalidade, são paladares muito singulares, são sons que se transformam em músicas e ritmos que não se esgotam no flamenco andaluze na guitarra acústica. Outros estilos regionais podem muito bem ser sentidos como por exemplo Aragão, Catalunha, Valência, Castela, Leão e Astúrias. Isso sem falar na peculiar zarzuela. Então, não há como se desconectar o som, a cor, o paladar, os cheiros, tudo isso resulta em uma infinidade de elementos que compõem a variada perceção daquilo que nossa vivência e imaginação delega à Espanha.

M - Há uma conferência do Lorca  de 1928 chamada "Sketch de la nueva pintura" em que ele enterra toda a "velha pintura" e saúda a "nova pintura" inaugurada pelo cubismo, que ele admira mas reconhece ter se esgotado depois de um tempo. É com o surrealismo que ele mais se identifica, depositando grande expectativa nesse momento da pintura  ( nas palavras textuais dele, o surrealismo seria "la pintura libertada por las abstracciones disciplinadas del cubismo, dueña de una inmensa técnica de siglos, entra em período mistico, incontrolado, de suprema belleza. Se empieza a expressar lo inexpressable") . Na sua opinião, Lorca tinha razão ao sustentar tamanha fé e alegria com o futuro a partir do surrealismo?

R - Acredito que sim. Arte é um processo em constante mutação e construção. Quanto à questão do surrealismo e do cubismo, Lorca era amigo de Dalli, talvez este seja o motivo de um certo olhar positivo de Lorca acerca do surrealismo. Porém, muito embora as duas contribuições tenham sido definitivas para a história da arte, não há como mensurar seu grau de importância em relação uma a outra. É muito difícil comparar o cubismo e surrealismo. Por exemplo, Picasso enfatizou linhas irregulares e cantos para criar um trabalho que mais parecia uma escultura de uma pintura enquanto o Surrealismo de Dalí tinha sua inspiração na psicologia freudiana, onde os objetos comuns eram submetidos a mundo de sonhos através da visão do subconsciente. Não há como comparar. 

Les demoiselles d'Avignon - Pablo Picasso - 1907

Acredito que Lorca ficaria satisfeito com as manifestações contemporâneas. Acho que ele não ficaria indiferente a Andy Warhol, Basquiat, Lucian Freud, Vasarely entre outros. Isso sem falar no pós-modernismo que tem como objetivo erradicar as divisões entre arte, cultura popular e da mídia. É, definitivamente o Lorca estaria com os pós-modernos empregando influências de uma série de movimentos passados e aplicando-as às formas modernas. Lorca seria hoje, um homem de seu tempo, abraçando a diversidade, ignorando fronteiras de gênero, incentivando a mistura de idéias, mídias e formas de promover a paródia, o humor, a ironia e a tragédia.


Future Science Versus Man - Jean-Michel Basquiat - 1983


M - Seu trabalho na série Escrita Plástica conta com elementos tradicionais da artes plásticas mesclado com elementos da tecnologia informatizada. Qual o sentido dessa mistura de linguagens antigas e atuais?

R - Acredito que comecei a me interessar por este conceito lá pelos anos 80 quando as diversos manifestações sejam elas arte, literatura, arquitetura, música, cinema, literatura, sociologia, comunicação, moda, tecnologia começaram a tentar ter uma interface. Fiquei empolgado com a da possibilidade de trabalhar diversas mídias ao mesmo tempo. E assim começou um projeto onde a imagem contivesse a idéia de uma linguagem transparente, que o produto plástico, servisse apenas como representações de pensamentos ou coisas, e não de uma função além dessa. A idéia de não ter originais, ter "simulacros" também motivou , então comecei um processo de familiarização com a computação gráfica e a relação amigável entre os diversos procedimentos, fossem eles o desenho, a fotografia, ou a pintura. Então, para realizar essas infogravuras, utilizei ofícios tradicionais como desenho, gravura, pintura e fotografia, associados, que scaneados e acrescidos e aperfeiçoados pelos avanços da tecnologia informatizada resultaram neste trabalho.


Ernesto Che Guevara - Escrita Plástica -  João Luiz Roth

M - Da obra teatral e poética de Lorca, o que você destaca?

R -  Não sou um especialista em Lorca, sou um apreciador. Me parece que Bodas de Sangue e Yerma são suas peças mais conhecidas, mas O sortilégio da mariposa vale a pena. Na poesia, talvez mereça atenção Minha menina se foi ao mar das Canciones Andaluzas.

Mi niña se fue a la mar

Mi niña se fue a la mar,
a contar olas y chinas,
pero se encontró, de pronto,
con el río de Sevilla.

Entre adelfas y campanas
cinco barcos se mecían,
con los remos en el agua
y las velas en la brisa.

¿Quién mira dentro la torre
enjaezada, de Sevilla?
Cinco voces contestaban
redondas como sortijas.

El cielo monta gallardo
al río, de orilla a orilla.
En el aire sonrosado,
cinco anillos se mecían.

Nota: Grande parte da obra de Federico Garcia Lorca, em espanhol, está publicada aqui.