quinta-feira, 29 de julho de 2010

Joaquim Cardozo: o poeta que calculava

"No terreno liso da composição linear
Poderemos fazer nascer, se quisermos
Algumas árvores lógicas"


Em 1975, ganhei de uma pessoa muito querida um livro de poemas do Joaquim Cardozo. E adorei o presente com um dos mais belos poemas que já li, A Nuvem Carolina.  Até há pouco tempo, não sabia nada mais sobre esse excelente poeta nascido em Pernambuco. No aniversário de 50 anos de Brasília, a revista Veja fez um especial sobre a capital federal e sua construção. Para minha grata surpresa, um artigo de Fábio Altman revelou para a minha ignorância que Joaquim Cardozo fez muitas outras coisas. Foi, por exemplo, o engenheiro que calculou importantissímas obras de Oscar Niemeyer. Segundo Altman, num telefonema do engenheiro ao arquiteto: "Encontrei a tangente que vai permitir que a cúpula pareça apenas pousada na laje". Assim, fez ficar de pé a cúpula invertida da Câmara dos Deputados.  Também as esbeltas e fortes colunas do Palácio Alvorada foram possíveis graças aos cálculos de Cardozo  que transgrediu as normas de engenharia à época usando 20% de ferro nas estruturas,  ao invés dos 6% estabelecidos internacionalmente.

Há muito para falar sobre o homem e a obra poética, teatral, plástica e técnica de Joaquim Cardozo. Mas não é necessário que eu o faça pois há importantes estudos publicados. Apenas instigo e sugiro um passeio pelos links abaixo. Antes, um poema muito delicado e revelador da profunda e dolorida consciência que Cardozo teve do seu duplo papel, do duplo movimento do homo sapiens, do homem da técnica: destruir e construir o belo.  

As Alvarengas

"Tous les chemins vont vers la ville”
Verhaeren

As alvarengas!
Ei-las que vão e vem; outras paradas,
Imóveis. O ar silêncio. Azul céu, suavemente.
Na tarde sombra o velho cais do Apolo.
O sol das cinco ascende um farol no zimbório
Da Assembléia.
As alvarengas!
Madalena. Deus te guie, flor de Zongue.
Negros curvando os dorsos nus
Impelem-nas ligeiras.
Vem de longe, dos campos saqueados.
Onde é tenaz a luta entre o Homem e a Terra.
Trazendo, nos bojos negros.
Para a cidade.
A ignota riqueza que o solo vencido abandona.
O latente rumor das florestas despedaçadas.

A cidade voragem.
É o Moloch, é o abismo, é a caldeira...
Além, pelo ar distante e sobre as casas.
As chaminés fumegam e o vento alonga.
O passo de parafuso.
E lentas.
Vão seguindo, negras, jogando, cansadas;
E seguindo-as também, em curvas n’água propagadas.
A dor da terra, o clamor das raízes.

Para saber mais sobre Joaquim Cardozo
A poesia concreta de Joaquim Cardozo - artigo de Fábio Altman - Especial Veja Brasília 50 anos.
Website dedicado a Joaquim Cardozo - editado pela pesquisadora Maria da Paz Ribeiro Dantas com depoimentos, textos, biografia, imagens, links (muito bons os links indicados , com muita informação sobre a obra poética e técnica de Cardozo). 
 Meu amigo Joaquim Cardozo - artigo-depoimento de Oscar Niemeyer publicado no Jornal do Brasil em 1981.
Joaquim Cardozo: o homem-universo: belissimo artigo de Everardo Norões publicado na revista Caliban.