quinta-feira, 29 de abril de 2010

Um pouco de poesia na nossa vidinha


''Tudo aquilo que a nossa civilização rejeita, pisa e mija em cima, serve para poesia.'' 
Manoel de Barros



Manoel de Barros é um dos meus poetas preferidos. E eu o sigo no twitter, e ele também me segue. Acho que ele segue a todos que o seguem. Seguir sim, perseguir jamais.  Inspirada na sua poesia, tenho escrito umas coisinhas. Não posso dizer que seja poesia porque poeta não sou. Quem me dera ser um Manoel de Barros, um Carlos Drummond, um Fernando Pessoa, um Manuel Bandeira, um Federico Garcia Lorca, uma Cecília Meireles, uma Florbela Espanca, uma Clarice Lispector  e tantos outros poetas que tornam a minha existência possível nesse mundo tarado por notícias e reality shows.

Essas coisinhas que venho escrito tenho chamado de NEM POESIA, NEM TE CONTO. Vez em quando vou postar as menos ruizinhas aqui. Eis as mais recentes, de ontem e antes d´ontem.

SER LATA
Nasceu lata. Criou-se lata. Lata foi, lata é. Ser-viu-se lata. Ora cheia, ora vazia, óleo. Na dispensa, mantimentos. Antúrio, gerânio, muda no jardim acolheu. Desprezada, altiva lata de lixo. Agora gasta, abandonada. Como se não-ser fosse, vêm os pés, vêm os chutes. O ser-vil nem ao menos desconfia da sua longa existência de ser-lata.

SEM PÉS NEM CABEÇA
Minha mãe ordenava: "pés no chão, cabeça no céu". Mas, mãe... (há sempre mas na boa mãe). Vem a desordem do chão, arrasto-me. Morro sem céu. Renasço sem mãe.

CANÇÃO DE AMOR
Os amigos de Scott diziam: larga essa louca, ela vai arruinar a sua vida.
Os familiares de Zelda diziam: você não deve amar um alcoólatra.
Scott e Zelda continuaram a se encontrar.
Scott dizia à Zelda: adoro você minha louquinha.
Zelda dizia à Scott: como são deliciosos seus beijos de uísque.
Anos depois, Zelda faleceu num hospício, Scott morreu de cirrose.
O caso apenas confirma a tragédia que é a vida e o amor como sua canção preferida .

ESTILETE
Escrever é estiletar a pele. Fazer o sangue vir à superfície.

INTERNET
O melhor de escrever na internet é não ter que vender livro.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

CORPO E PENSAMENTO

"A partir das idéias de Nietzsche, Spinoza e Bergson, podemos compreender a urgência de estabelecermos outro sentido para os estudos do corpo e do pensamento, rompendo com a clássica dicotomia corpo/mente, para podermos, enfim, afirmar a potência que é comum a ambos."
Excelente artigo "Corpo e pensamento - a invenção de outro sentido" do jovem e maduro filósofo e escritor  Amauri Ferreira (foto), cujo download das seis páginas em PDF está disponível aqui.

terça-feira, 27 de abril de 2010

RECURSOS EDUCATIVOS ABERTOS

Declaração de Cidade do Cabo para Educação Aberta. Abrindo a promessa de Recursos Educativos Abertos. Você pode ler e assinar a declaração (em português)  aqui

O que são Recursos Educativos Abertos
A UNESCO realizou em 2002 evento para debater a disponibilização de recursos educacionais de forma universal, designando o termo Recursos Educacionais Abertos, com a seguinte definição: "Open Educational Resources are defined as “technology-enabled, open provision of educational resources for consultation, use and adaptation by a community of users for non-commercial purposes.” They are typically made freely available over the Web or the Internet. Their principal use is by teachers and educational institutions support course development, but they can also be used directly by students. Open Educational Resources include learning objects such as lecture material, references and readings, simulations, experiments and demonstrations, as well as syllabi ,curricula and teachers' guides.".

Exemplo de Recursos Educativos Abertos
Connexions : a place to view and share educational material made of small knowledge chunks called modules that can be organized as courses, books, reports, etc. Anyone may view or contribute: authors create and collaborate; instructors rapidly build and share custom collections; learners find and explore content.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A FORÇA DOS CONHECIMENTOS LIVRES

Pessoal da PCS 5757, veja que legal esse seminário. Por que a gente não organiza um semelhante na USP ou na UFABC? Pelo que estou percebendo (posso estar enganada), nos Estados Unidos, falar em cultura digital, quase sempre é falar em negócios. Business. Ok, business, mas a vida não pode ser só business. Na América do Sul, a liberdade é um tema muito importante, por isso a força do debate sobre conhecimentos livres. Aliás, concordo com o Boaventura Santos: afora a América do Sul, o resto do mundo está de joelhos diante do neoliberalismo. A América do Sul é o único lugar do mundo que tem experiências importantes alternativas à globalização hegemônica.
PS: Gente, exagerei um bocado quando escrevi "o único lugar do mundo". O correto seria "A América do Sul é o lugar do mundo que vem desenvolvendo as mais significativas ações em prol de alternativas à globalização hegemônica." Melhorou? Quanto ao resto do mundo estar de joelhos diante do neoliberalismo, acho que não estou muito errada  em se tratando de políticas públicas.  Se estiver, me aponte. Precisamos olhar para o nosso continente e observar o que está rolando de  interessante nele e de desinteressante também. Se quiser acompanhar melhor a América do Sul,  considero que uma das  boas fontes na internet é o operamundi . Também acho interessante acompanhar as formulações do Boaventura Santos. E tem artigo do engenheiro Darc Costa "A América do Sul é o nosso futuro". Quanto à situação da internet na AS, vou pesquisar melhor os dados atuais. 

domingo, 25 de abril de 2010

A VIDA COMO POTÊNCIA

"Todos os viventes interdependem, e todos cedem ante a mesma pulsão formidável. O animal apóia-se sobre a planta, o homem cavalga a animalidade e a humanidade inteira, no espaço e no tempo, é um imenso exército que galopa ao lado de cada um de nós, adiante e atrás de nós numa carga avassaladora, capaz de vencer todas as resistências e de superar muitos obstáculos, mesmo talvez a morte." Henrique Bergson - A evolução criadora (1907)

sábado, 24 de abril de 2010

A TECNOLOGIA COMO IDEOLOGIA. TUPI OR NOT TUPI?

Tecnologia não é nem perdição nem salvação. É trabalho. O homem, desde que homem, sempre desenvolveu a técnica para solucionar problemas da sua subsistência. Mas o que a gente ouve das bocas, por todo lado,  é a ideologização da técnica. Assim, tenta-se não ver ou esconder o fato: apropriação por uns poucos daquilo que é de todos. Mistificação como forma de dominação. Na terra Brazilis, a primeira manifestação da técnica como ideologia foi  solenemente expressa por Pero Vaz de Caminha  quando ousou classificar os tupis de "atrasados". Não fossem os tupis com as suas técnicas de produzir farinha de mandioca, os colonizadores teriam morrido de fome. Hoje em dia, na mesma terra Brasilis, o que a gente vê é uma parte considerável da elite intelectual completamente avessa à discussão política da questão técnica. Essa  elite quer estar na ponta, consumindo conceitos e produtos técnicos, por exemplo, das telecomunicações. Mas não quer enfrentar, por exemplo,  a seguinte questão: a exploração  do mercado brasileiro de telecomunicações por empresas multinacionais pelo preço mais alto do mundo. O faturamento anual dessas empresas no Brasil é de R$ 120 bilhões, 10 vezes o faturamento do sistema de radiodifusão. Tupi or not tupi? 
Marta Rezende

terça-feira, 20 de abril de 2010

FLOW II

"Tempo é criança brincando, jogando; de criança o reinado." 

Heráclito
Ilustração: Portinari. Crianças brincando, 1955. Crianças pulando carniça, 1957.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

ENTRAR EM FLUXO

"Enquanto estou ocupado com alguma coisa, penso que estou a fazer a coisa mais linda do mundo. Quando tenho êxito em alguma coisa, então à noite, sento-me em frente dela enamorado. E essa paixão é maior do que qualquer paixão por pessoa. No dia seguinte, os olhos abrem-se de novo. "
Escher (tb. autor da ilustração)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

POR QUE FILOSOFIA? PARA CUIDAR DE SI.


"Quando se é jovem, não se pode evitar de filosofar e, quando se é velho, não se deve cansar de filosofar. Nunca é muito cedo ou muito tarde para cuidar de sua alma. Aquele que diz que não é ainda, ou que não é mais tempo de filosofar, parece àquele que diz que não é ainda, ou não é mais tempo de atingir a felicidade. Deve-se, então, filosofar quando se é jovem e quando se é velho, no segundo caso (...) para rejuvenescer ao contato do bem, pelas lembranças dos dias passados, e no primeiro caso (...) afim de ser, ainda que jovem, tão firme quanto um velho diante do futuro." Epicuro (sec. IV AC)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

PARADIGMAS CONTEMPORÂNEOS DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

" Se eu quero ir à lua, necessito de conhecimento científico; mas se eu quero preservar a biodiversidade, preciso do conhecimento indígena e camponês. "
    Boaventura de Sousa Santos


As principais alterações epistemológicas que se produziram no movimento científico nos últimos 20 anos segundo Boaventura de Sousa Santos:  

Deslocamento da física para as ciências da vida: " o discurso epistemológico deslocou-se da física para as ciências da vida, sobretudo para a genética, e com isso surgiram novos problemas: a relação entre genética, biologia da evolução e biologia do desenvolvimento; os fenómenos biológicos entre a linguagem físico-química da vida e a linguagem da informação; os problemas éticos da investigação genética à regulação desta; a relação entre a indústria da biotecnologia e a investigação científica; o patenteamento de formas de vida ou de processos ligados à vida."

Valorização do pragmatismo: "estes desenvolvimentos deram origem a novas fracturas entre paradigmas reducionistas e paradigmas da complexidade, das quais emergiram novas questões no seguimento das que eu tinha identificado em Um Discurso: o conhecimento como resultado de processos locais e, portanto, situado e contextualizado; valorização epistemológica do pragmatismo."

Colapso da separação entre ciências naturais e ciências sociais: "a crescente saliência de áreas de conhecimento em que a distinção entre “ciências naturais” e “ciências sociais” colapsa: ciências do ambiente, ciências cognitivas, biodiversidade, ciências da saúde."

Diálogo entre ciência e não-ciência:
"o reconhecimento crescente, sobretudo nas duas últimas áreas que acabei de referir, do carácter parcial do conhecimento científico e da necessidade de procurar diálogos entre ele e conhecimentos não científicos, por vezes, incorrectamente, designados como “etno-saberes”. A esse diálogo venho chamando a ecologia dos saberes. "



Os textos acima, editados aqui, foram extraídos de: "Em torno de um novo paradigma sócio-epistemológico.  Manuel Tavares conversa com Boaventura de Sousa Santos." In: Revista Lusófona de Educação, vol. 10, nº 10, 2007.   Disponível in: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/issue/view/67 . Consulta: 14.04.2010
Para saber mais sobre Boaventura de Sousa santos, ver: http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/homepage.php

terça-feira, 13 de abril de 2010

30 ANOS SEM SARTRE, O MESTRE DOS MESTRES

"Tristeza das gerações sem mestres..." 
Homenagem ao mestre que daqui a dois dias completará 30 anos de morte: Jean Paul Sartre (Paris, 21 de Junho de 1905 -  Paris, 15 de Abril de 1980). Nada melhor que as palavras de outro grande mestre. 
___________


ELE FOI MEU MESTRE
Gilles Deleuze 
Tristeza das gerações sem « mestres ». Nossos mestres não são apenas os professores públicos, ainda que tenhamos uma grande necessidade de professores. No momento em que atingimos a idade adulta, nossos mestres são aqueles que nos tocam com uma novidade radical, aqueles que sabem inventar uma técnica artística ou literária e encontrar as maneiras de pensar que correspondem à nossa modernidade, quer dizer, tanto às nossas dificuldades como aos nossos entusiasmos difusos. Sabemos que existe apenas um valor de arte e até mesmo de verdade : a « primeira mão », a novidade autêntica daquilo que se diz, a « musiquinha » com a qual aquilo é dito. Sartre foi isso para nós (para a geração que tinha vinte anos no momento da Liberação). Quem, na época, soube dizer algo de novo além de Sartre ? Quem nos ensinou novas maneiras de pensar ? Por mais brilhante e profunda que tenha sido, a obra de Merleau-Ponty era professoral e dependia daquela de Sartre em muitos aspectos. (Sartre assimilava de bom grado a existência do homem ao não-ser de um “buraco” no mundo : pequenos lagos de nada, dizia. Mas Merleau-Ponty os considerava como dobras, simples dobras e dobramentos. Assim se distinguiam um existencialismo duro e penetrante e um existencialismo mais brando, mais reservado.) E Camus, ai! Ora se tratava de um virtuosismo afetado, ora de uma absurdidade de segunda mão. Camus valia-se de pensadores malditos, mas toda sua filosofia nos conduzia a Lalande e a Meyerson, autores já bem conhecidos dos alunos do terceiro grau. Os novos temas, um certo estilo novo, uma nova maneira polêmica e agressiva de levantar os problemas, tudo isso veio de Sartre. Na desordem e nas esperanças da Liberação, descobria-se, redescobria-se tudo : Kafka, o romance americano, Husserl e Heidegger, os acertos de contas sem fim com o marxismo, o impulso em direção a um novo romance…Tudo passava por Sartre, não apenas porque, sendo um filósofo, possuía um gênio da totalização, mas porque sabia inventar o novo. As primeiras representações de As Moscas, a aparição de O Ser e o nada, a conferência O Existencialismo é um humanismo foram acontecimentos : aprendia-se aí, depois de longas noites, a identidade do pensamento e da liberdade.
Pensador privado 
Os « pensadores privados » opõem-se, de uma certa maneira, aos « professores públicos ». Até mesmo a Sorbonne precisa de uma anti-Sorbonne, e os estudantes só escutam bem seus professores quando têm também outros mestres. Nietzsche, no seu tempo, deixara de ser professor para tornar-se pensador privado : também Sartre o fez, num outro contexto e com uma outra saída. Os pensadores privados têm duas características: uma espécie de solidão que permanece como propriamente sua em qualquer circunstância; mas também uma certa agitação, uma certa desordem do mundo, na qual eles surgem e falam. Além do mais, só falam em seu próprio nome, sem « representar » nada; e solicitam presenças brutas no mundo, potências nuas que de modo algum são « representáveis ». Já em Que é a literatura? Sartre traçava o ideal do escritor : « O escritor retomará o mundo tal e qual, todo nu, todo suado, todo fedido, todo cotidiano, para apresentá-lo às liberdades fundado sobre uma liberdade…Não é suficiente conceder ao escritor a liberdade de dizer tudo ! É preciso que ele escreva a um público que tenha a liberdade de mudar tudo, o que significa – além da supressão das classes – a abolição de toda ditadura, a renovação perpétua dos cargos, a derrubada contínua da ordem – a partir do momento em que ameaça se fixar. Em uma só palavra, a literatura é essencialmente a subjetividade de uma sociedade em revolução permanente”. Desde o início Sartre concebeu o escritor sob a forma de um homem como os outros, dirigindo-se aos outros do ponto de vista único de sua liberdade. Toda sua filosofia se inseria num movimento especulativo que contestava a noção de representação, a própria ordem da representação: a filosofia mudava de lugar, abandonava a esfera do juízo, para se instalar no mundo mais colorido do « pré-judicativo », do « sub-representativo ». Sartre acaba de recusar o prêmio Nobel. Continuação prática da mesma atitude, horror à idéia de representar algo praticamente, ainda que seja dos valores espirituais ou, como ele, diz, de ser institucionalizado.
Esperança revolucionária
O pensador privado precisa de um mundo que comporte um mínimo de desordem, mesmo que seja apenas uma esperança revolucionária, um grão de revolução permanente. Em Sartre, há uma espécie de fixação na Liberação, nas esperanças desiludidas desse momento. Foi preciso a guerra da Argélia para reencontrar algo da luta política ou da agitação liberatória e, então, em condições muito mais complexas, já que não éramos mais os oprimidos mas, precisamente, aqueles que deviam se voltar contra si mesmos. Ah ! juventude. Só resta Cuba e a guerrilha venezuelana. Porém, maior ainda do que a solidão do pensador privado, há a solidão dos que buscam um mestre, dos que gostariam de um mestre e que só poderiam encontrá-lo num mundo agitado. A ordem moral, a ordem « representativa » fechou-se sobre nós. Até o medo atômico tomou ares de um medo burguês. Agora acontece até de propor-se aos jovens Teilhard de Chardin como modelo de pensador. Tem-se o que se merece. Depois de Sartre, não apenas Simone Weil, mas a Simone Weil da imitação. Porém, não é que não existam coisas profundamente novas na literatura atual. Citemos ao acaso : o novo romance, os livros de Gombrowicz, os contos de Klossowski, a sociologia de Lévi-Strauss, o teatro de Genet e de Gatti, a filosofia da « desrazão » que Foucault elabora…Mas o que falta hoje, o que Sartre soube reunir e encarnar para a geração precedente, são as condições de uma totalização: aquela em que a política, o imaginário, a sexualidade, o inconsciente, a vontade se reúnem nos direitos da totalidade humana. Hoje nós subsistimos com os membros esparsos. Sartre dizia de Kafka : sua obra é « uma reação livre e unitária ao mundo judeo-cristão da Europa central ; seus romances são o ultrapassamento sintético de sua situação de homem, de judeu, de tcheco, de noivo relutante, de tuberculoso etc. ».  Mas o próprio Sartre : sua obra é uma reação ao mundo burguês, tal como o comunismo o põe em questão. Ela exprime o ultrapassamento de sua própria situação de intelectual burguês, de ex-aluno da École Normale, de noivo livre, de homem feio (já que Sartre se apresentava freqüentemente assim)… etc. : tudo isso que se reflete e ecoa no movimento de seus livros.
A subjetividade e as exigências coletivas 
Falamos de Sartre como se ele pertencesse a uma época acabada. Mas ai! Nós é que estamos já acabados na ordem moral e no conformismo atual. Pelo menos Sartre nos permite uma vaga espera dos momentos futuros, de retomadas nas quais o pensamento se reformará e refará suas totalidades, como potência ao mesmo tempo coletiva e privada. É por isso que Sartre continua sendo nosso mestre. O último livro de Sartre, A crítica da razão dialética, é um dos livros mais belos e mais importantes surgidos nestes últimos anos. Ele dá a O ser e o nada seu complemento necessário, no sentido em que as exigências coletivas completam a subjetividade da pessoa. E quando pensamos novamente em O ser e o nada é para reencontrar o espanto que tínhamos diante em face dessa renovação da filosofia. Agora já sabemos melhor que as relações de Sartre com Heidegger, sua dependência de Heidegger, eram falsos problemas que se apoiavam em mal-entendidos. O que nos tocava em O ser e o nada era unicamente sartreano e dava a envergadura da contribuição de Sartre : a teoria da má-fé, em que a consciência, no seu interior, brincava com a sua dupla potência de não ser o que é e de ser o que não é; a teoria do Outrem, em que o olhar de outrem bastava para fazer o mundo vacilar e « roubá –lo » de mim ; a teoria da liberdade, em que esta se limitava a si mesma ao se constituir em situações ; a psicanálise existencial, onde se podia reencontrar as escolhas de base de um indivíduo no centro de sua vida concreta. E cada vez, a essência e o exemplo entravam em relações complexas que davam um estilo novo à filosofia. O garçom do café, a moça apaixonada, o homem feio e, principalmente, meu amigo-Pierre-que-nunca-estava-presente, formavam verdadeiros romances na obra filosófica e percutiam as essências ao ritmo de seus exemplos existenciais. Por toda parte brilhava uma sintaxe violenta, feita de rachaduras e de estiramentos, lembrando as duas obsessões sartreanas : os lagos de não-ser, as viscosidades da matéria.
Recusa do Prêmio Nobel
A recusa do prêmio Nobel é uma boa notícia. Finalmente, alguém que não tenta explicar que é um delicioso paradoxo para um escritor, para um pensador privado, aceitar honras e representações públicas. Muitos espertinhos já tentam levar Sartre à contradição : demonstram-lhe sentimentos de despeito, vindo o prêmio tarde demais ; objetam dizendo que, de qualquer maneira, ele representa algo; recordam-lhe que, de todo modo, seu sucesso foi e permanece sendo burguês; deixam entender que sua recusa não é nem sensata nem adulta ; mostram-lhe o exemplo daqueles que aceitaram-recusando, dando pelo menos o dinheiro à caridade. Melhor seria não provocar muito, Sartre é um polemista perigoso…Não há gênio sem paródia de si mesmo. Mas qual é a melhor paródia? Tornar-se um velho adaptado, uma autoridade espiritual coquete? Ou então querer ser o abobado da Liberação? Ver-se acadêmico ou sonhar em ser combatente venezuelano? Quem não vê a diferença de qualidade, a diferença de gênio, a diferença vital entre essas duas escolhas ou essas duas paródias? Ao que Sartre é fiel? Sempre ao amigo Pierre-que-nunca-está-presente. É o destino desse autor trazer ar puro quando ele fala, mesmo que seja difícil respirar esse ar puro, o ar das ausências.

In:  Deleuze, Gilles. L´île déserte et autres textes
A versão publicada acima, sem as notas, é tradução de Francisca Maria Cabrera. Disponível in:   prof.alexsantana.googlepages.com/TextodeGillesDeleuzesobreSartre-para.doc . Consulta em 13.04.2010 . Os intertítulos não fazem parte do texto original.  

Obs.: Esse livro foi publicado no Brasil:  Deleuze, Gilles. A ilha deserta e outros textos - Textos e entrevistas ( 1953-1974 ). Tradução de Luiz B. Orlandi . São Paulo:Iluminuras, 2006.
Fotos: 1) Sartre e Simone de Beauvoir; 2) Gilles Deleuze; 3) Sartre com Foucault ao fundo; 4) Sartre, Simone e Che Guevara; 5) capa do livro Crítica da razão dialética ; 6) Sartre em manifestação em Maio de 1968. 

segunda-feira, 12 de abril de 2010

PARA MUITO ALÉM DO YOUTUBE: UBU

Fantastique! É de tirar o fôlego da gente o tanto de coisa boa que tem neste site de artes http://www.ubu.com/ . 

Quem quiser ir direto pra filmoteca, prepare o seu coração: http://www.ubu.com/film/


UbuWeb is a completely independent resource dedicated to all strains of the avant-garde, ethnopoetics, and outsider arts. All materials on UbuWeb are being made available for noncommercial and educational use only. All rights belong to the author(s). UbuWeb is completely free.

TRANSFORMAR O MUNDO EM CAMPUS GLOBAL. EDUCAÇÃO PERMANENTE PARA TODOS! SOLUÇÕES COLETIVAS!!!

domingo, 11 de abril de 2010

ROMERO TORI: PROFESSOR SEM DISTÂNCIA

O professor Romero Tori acaba de lançar, pela Editora Senac - São Paulo,  o livro EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIA. Não pude ir ao lançamento do livro (as chuvas naquela semana fizeram a minha agenda virar uma bagunça), mas entrei no blog dele http://romerotori.blogspot.com/ e fiz um comentário respondendo à pergunta postada por ele: "O QUE É EDUCAÇÃO?". Reproduzo aqui meu comentário

Prezado professor Romero, parabéns pelo lançamento do livro. Agora ele nos pertence, ao público leitor. Obrigada pela parte que me toca.

Sobre educação, o que venho pensando é que não há um conceito único. Depende de quem conceitua. Para alguns educação significa treinamento. Para outros, significa aprender a se libertar (inclusive dos treinamentos). Para a maioria, infelizmente, educação é recognição (aprender o que já é conhecido. O mesmo!). Para mim, educação, como penso atualmente, é diferenciação, é devir. Ao invés de reconhecer, criar. O mundo não está pronto. Podemos, inventá-lo. E a vida é a grande escola. Na escola da vida, aprender passa também pelo desaprender. Devemos desaprender muitas bobagens que vamos acumulando num saco muito grande, desaprender hábitos que aprisionam a vida, desaprender teorias que não servem para nada, desaprender a ser levianos, desaprender a julgar, desaprender a ser autoritários etc. A lista é longa... O que a gente vai botando no lugar dos vazios deixados pelo desaprender? Na verdade, não há vazios porque ao desaprender, aprendemos, criamos novos valores, novos conhecimentos, novos comportamentos, novas habilidades. Sem querer ser referência, dona da verdade, dou meu testemunho pessoal: descobri recentemente que a educação é uma "máquina de guerra" pela vida. Suas aulas para mim são isso: mais do que os conceitos que vc ensina, que projeta na parede, SUA PRESENÇA É MUITO EDUCADORA, pois estimula o pensamento (coisa rara hoje em dia porque há uma enorme máquina anti-pensamento), estimula a pesquisa (aprender em atividade) e , o mais importante, CRIA AFETOS POSITIVOS. Seu curso (PCS5757, na Poli) está sendo ótimo para mim, pois me proporciona aquilo que o Spinoza aconselha cultivar para aumentar a potência da vida: BONS ENCONTROS E PAIXÕES ALEGRES.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

FAZER DO CONHECIMENTO O AFETO MAIS POTENTE

Quando Nietzsche encontrou Spinoza
" Estou inteiramente espantado, inteiramente encantado! Tenho um precursor e que precursor! Eu não conhecia quase nada de Espinosa; que eu agora ansiasse por ele foi uma “ação do instinto”. Não só, que sua tendência geral seja idêntica à minha - fazer do conhecimento o afeto mais potente - em cinco pontos capitais de sua doutrina eu me reencontro, este pensador, o mais fora da norma e o mais solitário, me é o mais próximo justamente nestas coisas: ele nega o livre-arbítrio; os fins; a ordem moral do mundo; o não-egoísmo; o mal ; se certamente também as diferenças são enormes, isso se deve mais à diversidade de época, de cultura, de ciência. In summa: minha solidão, que, como sobre montes muito altos, com freqüência provocou-me falta de ar e fez-me o sangue refluir, é ao menos agora uma dualidão."
Friedrich Nietzsche - trecho do cartão-postal a   Franz Overbeck - Sils-Maria, 30 de julho de 1881
Para saber sobre Nietzsche e Spinoza, ver blogs de Amauri Ferreira: http://amauriferreira.blogspot.com/;  http://amauriferreiracursos.blogspot.com/; http://bibliotecanomade.blogspot.com/