Quando um muro separa, o poema une?

QUANDO UM MURO SEPARA, O POEMA UNE ?



Entrevista com Jusberto Cardoso Filho

Marta Rezende – Você contou que estava lendo O muro, do Jean Paul Sartre, e isso nos inspirou o mote para a entrevista. Qual é o muro que separa a poesia?

Jusberto Cardoso Fº - Esse conto do Sartre aborda a dificuldade do homem moderno tomar decisões. É realmente dramática essa questão, assim como são dramáticos os muros que separam a poesia, como a censura. Mesmo não havendo a censura explícita, há a censura velada e ela se manifesta de vários modos. Por exemplo, a dificuldade para a poesia ter acesso aos meios de comunicação. Editar um livro atualmente é muito caro, distribuí-lo e divulgá-lo são tarefas árduas muitas vezes. Há também a censura quando a poesia fere algum interesse, econômico, político, social ou qualquer outro tipo de interesse. A poesia jamais perderá o aspecto marginal, marginalizante.

M – E as pontes que facilitam a vida da poesia?

J – Teremos agora a Academia Ouropretana de Letras que esperamos ser uma bonita, resistente e agregadora ponte. Uma ponte importante no mundo contemporâneo é a internet que contribui muito para a interação entre poetas e desses com os leitores e para a divulgação da poesia, o que é importante pois possibilita mais gente ler e produzir poesia. Apesar do risco de banalização, creio que a poesia não perde o seu potencial de resistência. Ao mesmo tempo em que a poesia é badalada, alguns poetas como parte dos círculos de poder, ela tem o papel de resistência, como fizeram os poetas inconfidentes e outros tantos fizeram e fazem.

M – A filosofia está muito presente nos seus poemas. Por exemplo, Depois das horas pode ser remetido à idéia “Eu sou corpo, por inteiro corpo e nada mais”, do Nietzsche.

J –.Já ouvi gente classificar meus poemas de filosóficos e também de concretos. Concreto porque há um hiato entre a coisa e a palavra, a palavra como símbolo. Mas a palavra pode também expressar pensamentos. Pensar e filosofar estão intimamente ligados.

M – Por outro lado, no Gerações feridas você diz "Ideologias e filosofias tornam-se muito arcaicas".

J – Esse é um poema que fiz na adolescência que acho muito maduro e atual, pelo fato de que hoje há uma crise de ideologias, descrença na política e crise de valores. Filosofias consagradas por muito tempo também são superadas, mas sempre aparecem novas referências, novos conceitos filosóficos.

M – Já em Paris Texas, é a presença do cinema, da imagem, conduzindo o poema.

J – O cinema está muito presente na poesia contemporânea. Um mar de imagens. Há críticas a essa tendência da imagem tomar conta das artes, do risco do vazio que as artes correm ao se aproximarem da publicidade. Mas, há idéias que só a palavra é capaz de expressar. Quanto a Paris Texas, tentei expressar o que entendi desse filme badalado, que fala sobre um caminho sem fim, e sua belíssima música.

M – Sua poesia está muito antenada com o tempo presente, com as angústias do homem contemporâneo. Modernidade líquida?

J – Com a angústia da “modernidade líquida”, como conceituado pelo sociólogo Zygmuth Bauman. Líquida porque as relações estão cada vez mais fluídas, inconstantes, móveis.

M – Você organizou a mais completa antologia de poesia sobre Ouro Preto (Antologia poética de Ouro Preto). Qual a importância desse trabalho?

J – O livro reúne poetas de primeira grandeza com 85 poemas inspirados na cidade. A principal importância é que cada poema foi muito bem escolhido, cada poeta selecionado conta com obra fortíssima. É o caso não só dos mais conhecidos pelo grande público, mas também de outros menos conhecidos, mas também excelentes poetas.

M – Ouro Preto exerce forte atração sobre os poetas de fora, além de contar a cidade com rica tradição de produção poética local. .Ao seu ver é a paisagem que propícia isso?

J – A paisagem tem seu importante papel, mas a própria história da cidade suscita poesia. A paisagem e a história levam a gente a querer poetizar.

M – Você nos disse está com tudo pronto para a segunda edição da Antologia. O que muda?

J – Entram mais poemas, totalizando agora em torno de 100. Deve sair em breve, provavelmente por uma grande editora do país.

M - Como anda sua produção poética atualmente?

J – Além do livro Ponto, publicado, vou publicar em breve Inspiração arcádica e outros poemas. Tenho mais dois prontos, Pensamentos poéticos e Poesia sempre.

M- Para fechar, fale um poema seu que remete aos muros e também às pontes.

J – Poeternizar que alinhava perspectivas, que podemos dizer serem pontes, e também do mal estar da civilização, muitas vezes decorrentes dos muros que impedem ou dificultam os encontros.

Poeternizar
agulha e fagulha
ponto a ponto
alinhavando perspectivas

com a tesoura de ouro
como um alfaiate
teço a fímbria de meu tecido
tecido hemacitopoiético
para sempre
no mal estar da civilização

Jusberto Cardoso Filho é natural de Ouro Preto, MG. Formado em filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, é organizador da Antologia Poética de Ouro Preto, 1ª edição, 1995 (premiado pela União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro,1997), Antologia Poética de Ouro Preto, 2ª edição (a ser publicado em breve) e autor dos livros de poesia: Ponto (1999), Inspiração Arcádica e outros poemas (no prelo), Pensamentos Poéticos e Poesia sempre (ambos, aguardando publicação). Participa de Poetas del mundo e Cadernos Literário Pragmatha.

Para ler os poemas do Jusberto citados nessa entrevista, clique aqui: http://www.poetasdelmundo.com/verInfo_america.asp?ID=5249