quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A razão científica não é produtora de mundo melhor

"Esse mundo é a vontade de potência –
e nada além disso!
E também vós próprios sois essa vontade de potência
– e nada além disso!”
Nietzsche.  Fragmento póstumo, 1885.

"A razão é apenas um conceito,
e um conceito bem pobre para definir o plano e os
movimentos infinitos que o percorrem."
Deleuze e Guattari - O que é a filosofia?

Fui um pouco injusta no juízo que fiz  do livro de Karl Popper, Em busca de um mundo melhor (ver post abaixo: Poopper, Heráclito e o mundo). O livro não é tão chato assim, fui me animando no avançar da leitura. Há belas passagens  e a leitura (das conferências) chega a ser prazeiroza. No entanto, a busca pela verdade como  mola mestra da ciência é o problema desse pensamento. Popper se aproxima de Henri Bergson em alguns temas, mas nem passa perto da grande questão colocada por Nietzsche: o que move  a ciência é a utilidade e não a verdade.
Mas foi interessante ler Popper, mesmo porque me remeteu à leitura de Kant e ao livro de Deleuze sobre Kant. E me despertou outros desejos: conhecer melhor o debate sobre as relações ente matemática e lógica, bem como conhecer as idéias de Cantor etc.. Portanto, valeu. Mesmo assim não teria paciência de fazer aqui uma espécie de resenha ou crítica do livro. Tenho outras vontades mais potentes.  Depois que me tornei leitora de Nietzsche e  Deleuze, tenho pouca paciência com filosofias de boas intenções como essas de melhorar o mundo através da busca pela verdade científica. 

Não sou contra a ciência, mas também não acho que ela  faça o mundo melhor. Lembro-me de uma conferência de Galbraith (economista americano) em que ele disse mais ou menos isso em torno de 1930: "não há mais razão para a fome, pois a produtividade  na agricultura (advinda de conhecimentos científicos e de técnicas) pode garantir alimento para todos os seres vivos". Mas o que vemos é que ainda, depois de 80 anos,  1 bilhão de pessoas passando fome no mundo.  Outra questão interessante foi colocada há anos atrás por um professor meu que indagava "por que gastar tanto dinheiro com a o sequenciamento do genoma, se a gente adoece e morre mais por contaminação bacteriológica e viral do que por doenças genéticas?". 

Há um bocado de razão e também de falta de razão na "verdade" da racionalidade científica, tão defendida por Popper, apesar de todas as críticas que ele faz  ao cientificismo.  O pensamento de Popper sobre ciência, conhecimento e ignorância  é expressão dos abalos das "verdades" da sociedade socrático-científica. Mesmo assim,  ele conclama sistemáticamente o pensamento de Sócrates e o seu "conheça a ti mesmo".  

“Ó! imagens e visões da minha juventude! Ó! olhares de amor, momentos divinos! Como vos desvanecesteis depressa! Penso hoje em vós como nos meus mortos.
De vós, mortos prediletos, chega até mim um suave perfume que alivia o coração e faz correr as lágrimas. Verdadeiramente esse perfume agita e alivia o coração do que navega solitário."
Nietzsche - Assim falou Zaratustra - Trecho do Canto do sepulcro