quinta-feira, 1 de julho de 2010

A boa briga contra o platonismo que ainda, infelizmente, impera na cultura, na ciência, na educação, no viver ocidental (quiçá, oriental)

Platão e o simulacro, de Gilles Deleuze

Que significa “reversão do platonismo”? Nietzsche assim define a tarefa de sua filosofia ou, mais geralmente, a tarefa da filosofia do futuro. Parece que a fórmula quer dizer: a abolição do mundo das essências e do mundo das aparências. Tal projeto, todavia, não seria próprio a Nietzsche. A dupla recusa das essências e das aparências remonta a Hegel e, melhor ainda, a Kant. É duvidoso que Nietzsche pretenda dizer a mesma coisa. Bem mais, tal fórmula – “reversão” – tem o inconveniente de ser abstrata; ela deixa na sombra a motivação do platonismo. Reverter o platonismo deve significar, ao contrário, tornar manifesta à luz do dia esta motivação, “encurralar” esta motivação – assim como Platão encurrala o sofista.
 
" Definimos a modernidade pela potência do simulacro. Cabe à filosofia não ser moderna a qualquer preço, muito menos intemporal, mas destacar da modernidade algo que Nietzsche designava como o intempestivo, que pertence à modernidade, mas também que deve ser voltada contra ela – “em favor, eu o espero, de um tempo por vir”. Não é nos grandes bosques nem nas veredas que a filosofia se elabora, mas nas cidades e nas ruas, inclusive no que há de mais factício nelas. O intempestivo se estabelece com relação ao mais longínquo passado, na reversão do platonismo, com relação ao presente, no simulacro concebido como ponto desta modernidade crítica, com relação ao futuro no fantasma do eterno retorno como crença do futuro. O factício e o simulacro não são a mesma coisa. Até mesmo se opõem. O factício é sempre uma cópia de cópia, que deve ser levada até o ponto em que muda de natureza e se reverte em simulacro (momento da Pop’Art). O factício e o simulacro se opõe no coração da modernidade, no ponto em que esta acerta todas as suas contas, assim como se opõem dois modos de destruição: os dois niilismos. Pois há uma grande diferença entre destruir para conservar e perpetuar a ordem restabelecida das representações, dos modelos e das cópias e destruir os modelos e as cópias para instaurar o caos que cria, que faz marchar os simulacros e levantar um fantasma – a mais inocente de todas as destruições, a do platonismo."
 
 
Download do texto na íntegra (13 páginas em PDF)  na Biblioteca Nômade

sábado, 19 de junho de 2010

A necessidade de Filosofia - por José Saramago


"Acho que na sociedade atual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objetivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objetivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma."

José Saramago -  Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008

O Fábio, colega da PCS 5757, enviou essa do Saramago pelo Twitter, dedicada a mim. Obrigada Fábio.
Respondi a ele: a filosofia ao menos nos ensina a morrer. Saramago soube morrer porque até o ano passado, pelo menos, estava trabalhando, ou seja, pensando. 
E acrescento, a gente morre muitas vezes em vida. Muitas. Morrem amores, a gente morre um bocado junto com cada amor que se vai; morrem pessoas queridas,  um pedaço da gente morre com elas; morrem nossas idéias decadentes (é preciso mesmo saber manejar o punhal que mata as idéias decadentes); morrem os escritores que a gente gosta, um bocado da gente vai com eles.  Mas, como bem disse o Spinoza, "quando morre um homem, um outro nasce". Ou nasce na gente mesmo, quando as mortes são em vida, ou nasce além de nós. A natureza, incessantemente renovadora da vida.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Promessa é coisa séria: vou cumprir todas

Heráclito de Éfeso (século V AC)

Prometi postar aqui resumo sobre a aula da Regina Silveira sobre tecnologias de transmissão vídeo digital.  Era pra ter sido postado no dia 05, não deu por causa de outras afazeres urgentes, mas vou postar em breve. Também vou postar  meu trabalho de conclusão do curso PCS 5757 "Fazendo rizoma entre a Educação sem Distância e a Filosofia da Diferença". São postagens que preciso trabalhar bem, por isso a demora. Estou agora empenhada em outras tarefas... , muitas, uma delas é estudar matemática, reaprender os limites... com o professor Marcio Eisencraft, numa disciplina que estou cursando na UFABC.  Depois, vou tirar férias deste blog por um bom tempo (7 meses) para poder me dedicar de corpo e alma, inclusive em uma longa viagem,  ao meu projeto de pesquisa "O Corpo sem Órgãos do Conhecimento". Esse projeto vai ter um website aberto à participação dos interessados na pesquisa.  Além da orientação da engenheira Itana Stiubiener, estou esperando contar com a co-orientação do filósofo Daniel Lins, pois o projeto faz uma conexão entre Filosofia da Diferença e Engenharia da Informação. Nesse sentido, fundamental também continuar meus cursos, atualmente a distãncia, com o filósofo Amauri Ferreira, como o atual "Assim falou Zaratustra". Enfim, estou na boa luta da vida. Aquela luta de que o Heráclito falou "a guerra é o rei e o pai de todas as coisas".  Mas não é guerra de matar os outros, é guerra de matar besteiras... hábitos, dependências, idéias velhas, relacionamentos que não produzem alegrias. E construir o que presta: os bons encontros e as paixões alegres. Por aí.


segunda-feira, 7 de junho de 2010

Lorca por Roth

Hoje não é mais o aniversário do Lorca, mas acabo de receber as respostas da entrevista que havia enviado por e-mail ao artista plástico João Luiz Roth.  Está excelente. Confira, pois acrescenta bastante ao que foi escrito por mim ontem.  

Nascido em Santa Maria - RS em 1951, João Luiz Roth é graduado em Desenho e Plástica pela Universidade Federal de Santa Maria. Realizou estudos na Escuella Superior de Bellas Artes de San Fernando da Universidad Complutense de Madrid. É Doutor em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal de Santa Maria junto ao Curso de Comunicação Social do Centro de Ciências Sociais e humanas.

É autor de uma obra densa em artes plásticas. Uma parte do seu importante e belo trabalho está exposto no seu site, ao qual vale muito uma visita



Marta - Qual a sua aproximação com Federico Garcia Lorca?

Roth - Meu primeiro contato com Lorca foi ainda quando, muito jovem, fui estudar na Espanha. Era os anos 70, uma época de grandes transformações. Vivi lá, os últimos momentos de Franco e a reinauguração da democracia. Antes desta democracia, a Espanha era um país difícil. As sequelas da guerra civil, por incrível que pareça, ainda eram evidentes. Muito do que se falava, inclusive sobre Lorca, ainda era em sussurros, ou em um tom baixo, discreto, como que se fossemos, ou pudéssemos ser denunciados a algum órgão de segurança do estado policialesco. Minha sensação parece ser que, com a morte do “generalíssimo, além da alforria ao povo, houve um renascer de antigos valores, que se tornaram cada vez mais atuais. Acredito que Lorca, se inclui nestes valores que se tornaram mitos. O mito Lorca, aparece como o do homem adiante de seu tempo, do homem contemporâneo que tem necessidade de ser fecundo com o seu destino em um mundo palco composto pelas mais variadas construções simbólicas. Foi assim que fui apresentado a Lorca, o Andaluz, e com ele seus amigos Luís Buñuel, Salvador Dali, Antonio Machado, Manuel Falla e Rafael Alberti.

Acredito que inicialmente a coragem do homem Lorca me motivou. Logo depois homem e obra se tornaram indivisíveis. Quem deparasse com sua figura, de aparente fragilidade, não poderia supor a coragem de um jovem que desenvolveu o seu talento, assumiu sua homossexualidade em uma época de preconceitos políticos e religiosos. Esse conjunto de coragem e de idéias, resultaram em uma obra densa que é Terroir e universal ao mesmo tempo.

M -  Peço que aponte um dos seus 16 retratos de Lorca para ilustramos essa entrevista e, por favor, comente essa obra.

R -  A série em homenagem a Lorca começou há muitos anos atrás, em um estudo que eu fiz sobre a Guerra Civil Espanhola. Neste trabalho, meu foco era a de uma leitura plástica da origem do conflito entre 1929 e 1936, um período crítico que resultou no acirramento entre a direita e esquerda. Concluindo com Franco assumindo o poder e finalizando a República Socialista. Nesta caminhada cheguei a Lorca e através dele fiz uma nova leitura. Na leitura de Lorca, talvez a gravura que para mim melhor o representa seja o trabalho abaixo.

Federico Garcia - Escritas Plásticas - João Luiz Roth

Nesse trabalho, tentei fazer uma análise acerca do real e do imaginário que conferimos a Lorca, daquilo que se tem chamado abstração ou objetivação de sua obra, que, para mim, mesmo parecendo difuso não se deixa confundir que ali esta mesmo a imagem do poeta. A cor roxa que aparece na gravata e nos olhos funciona como um indicativo de uma personalidade marcante, questionadora do comportamento coletivo e pronta para quebrar os padrões estabelecidos.

M -  Além de cores, a mim seus retratos de Lorca são também sonoros. Será que captei os seus sons interiores ao desenhar cada um desses 16 retratos? Para você, esse trabalho tem a ver com sonoridade?

R -  Acredito que ninguém fica impune com as coisas de Espanha. É uma cultura deliciosa, impar que gerou contribuições e manifestações para a história da civilização ocidental que antecede o medievo. São comportamentos próprios, são cores com grande personalidade, são paladares muito singulares, são sons que se transformam em músicas e ritmos que não se esgotam no flamenco andaluze na guitarra acústica. Outros estilos regionais podem muito bem ser sentidos como por exemplo Aragão, Catalunha, Valência, Castela, Leão e Astúrias. Isso sem falar na peculiar zarzuela. Então, não há como se desconectar o som, a cor, o paladar, os cheiros, tudo isso resulta em uma infinidade de elementos que compõem a variada perceção daquilo que nossa vivência e imaginação delega à Espanha.

M - Há uma conferência do Lorca  de 1928 chamada "Sketch de la nueva pintura" em que ele enterra toda a "velha pintura" e saúda a "nova pintura" inaugurada pelo cubismo, que ele admira mas reconhece ter se esgotado depois de um tempo. É com o surrealismo que ele mais se identifica, depositando grande expectativa nesse momento da pintura  ( nas palavras textuais dele, o surrealismo seria "la pintura libertada por las abstracciones disciplinadas del cubismo, dueña de una inmensa técnica de siglos, entra em período mistico, incontrolado, de suprema belleza. Se empieza a expressar lo inexpressable") . Na sua opinião, Lorca tinha razão ao sustentar tamanha fé e alegria com o futuro a partir do surrealismo?

R - Acredito que sim. Arte é um processo em constante mutação e construção. Quanto à questão do surrealismo e do cubismo, Lorca era amigo de Dalli, talvez este seja o motivo de um certo olhar positivo de Lorca acerca do surrealismo. Porém, muito embora as duas contribuições tenham sido definitivas para a história da arte, não há como mensurar seu grau de importância em relação uma a outra. É muito difícil comparar o cubismo e surrealismo. Por exemplo, Picasso enfatizou linhas irregulares e cantos para criar um trabalho que mais parecia uma escultura de uma pintura enquanto o Surrealismo de Dalí tinha sua inspiração na psicologia freudiana, onde os objetos comuns eram submetidos a mundo de sonhos através da visão do subconsciente. Não há como comparar. 

Les demoiselles d'Avignon - Pablo Picasso - 1907

Acredito que Lorca ficaria satisfeito com as manifestações contemporâneas. Acho que ele não ficaria indiferente a Andy Warhol, Basquiat, Lucian Freud, Vasarely entre outros. Isso sem falar no pós-modernismo que tem como objetivo erradicar as divisões entre arte, cultura popular e da mídia. É, definitivamente o Lorca estaria com os pós-modernos empregando influências de uma série de movimentos passados e aplicando-as às formas modernas. Lorca seria hoje, um homem de seu tempo, abraçando a diversidade, ignorando fronteiras de gênero, incentivando a mistura de idéias, mídias e formas de promover a paródia, o humor, a ironia e a tragédia.


Future Science Versus Man - Jean-Michel Basquiat - 1983


M - Seu trabalho na série Escrita Plástica conta com elementos tradicionais da artes plásticas mesclado com elementos da tecnologia informatizada. Qual o sentido dessa mistura de linguagens antigas e atuais?

R - Acredito que comecei a me interessar por este conceito lá pelos anos 80 quando as diversos manifestações sejam elas arte, literatura, arquitetura, música, cinema, literatura, sociologia, comunicação, moda, tecnologia começaram a tentar ter uma interface. Fiquei empolgado com a da possibilidade de trabalhar diversas mídias ao mesmo tempo. E assim começou um projeto onde a imagem contivesse a idéia de uma linguagem transparente, que o produto plástico, servisse apenas como representações de pensamentos ou coisas, e não de uma função além dessa. A idéia de não ter originais, ter "simulacros" também motivou , então comecei um processo de familiarização com a computação gráfica e a relação amigável entre os diversos procedimentos, fossem eles o desenho, a fotografia, ou a pintura. Então, para realizar essas infogravuras, utilizei ofícios tradicionais como desenho, gravura, pintura e fotografia, associados, que scaneados e acrescidos e aperfeiçoados pelos avanços da tecnologia informatizada resultaram neste trabalho.


Ernesto Che Guevara - Escrita Plástica -  João Luiz Roth

M - Da obra teatral e poética de Lorca, o que você destaca?

R -  Não sou um especialista em Lorca, sou um apreciador. Me parece que Bodas de Sangue e Yerma são suas peças mais conhecidas, mas O sortilégio da mariposa vale a pena. Na poesia, talvez mereça atenção Minha menina se foi ao mar das Canciones Andaluzas.

Mi niña se fue a la mar

Mi niña se fue a la mar,
a contar olas y chinas,
pero se encontró, de pronto,
con el río de Sevilla.

Entre adelfas y campanas
cinco barcos se mecían,
con los remos en el agua
y las velas en la brisa.

¿Quién mira dentro la torre
enjaezada, de Sevilla?
Cinco voces contestaban
redondas como sortijas.

El cielo monta gallardo
al río, de orilla a orilla.
En el aire sonrosado,
cinco anillos se mecían.

Nota: Grande parte da obra de Federico Garcia Lorca, em espanhol, está publicada aqui.

domingo, 6 de junho de 2010

Manuel Falla: "¡ Ole ! ¡ Eso tiene duende !'

Desenho do Lorca

Das 6 horas da manhã de hoje até agora, meia noite, comemorei os 112 anos de Federico García Lorca através de sete postagens abaixo. E com esse post, encerro, convocando o grande amigo de Lorca, Manuel Falla e seu "El amor brujo - dança ritual do fogo", com esse trecho do filme de Carlos Saura. 

sábado, 5 de junho de 2010

VERDE QUE TE QUERO VERDE

Meu livro preferido de Lorca, no conjunto, é o Poeta em Nova York, mas meu poema preferido é Romance Sonâmbulo. O famoso Verde que te quero verde, cantado por Ana Belén e Manzanita.





Federico Garcia Lorca

(A Gloria Giner e a
Fernando de los Rios)


Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.

Verde que te quero verde.
Grandes estrelas de escarcha
nascem com o peixe de sombra
que rasga o caminho da alva.
A figueira raspa o vento
a lixá-lo com as ramas,
e o monte, gato selvagem,
eriça as piteiras ásperas.

Mas quem virá? E por onde?...
Ela fica na varanda,
verde carne, tranças verdes,
ela sonha na água amarga.
— Compadre, dou meu cavalo
em troca de sua casa,
o arreio por seu espelho,
a faca por sua manta.
Compadre, venho sangrando
desde as passagens de Cabra.
— Se pudesse, meu mocinho,
esse negócio eu fechava.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Compadre, quero morrer
com decência, em minha cama.
De ferro, se for possível,
e com lençóis de cambraia.
Não vês que enorme ferida
vai de meu peito à garganta?
— Trezentas rosas morenas
traz tua camisa branca.
Ressuma teu sangue e cheira
em redor de tua faixa.
No entanto eu já não sou eu,
nem a casa é minha casa.
— Que eu possa subir ao menos
até às altas varandas.
Que eu possa subir! que o possa
até às verdes varandas.
As balaustradas da lua
por onde retumba a água.

Já sobem os dois compadres
até às altas varandas.
Deixando um rastro de sangue.
Deixando um rastro de lágrimas.
Tremiam pelos telhados
pequenos faróis de lata.
Mil pandeiros de cristal
feriam a madrugada.

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramas.
Os dois compadres subiram.
O vasto vento deixava
na boca um gosto esquisito
de menta, fel e alfavaca.
— Que é dela, compadre, dize-me
que é de tua filha amarga?
— Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara,
rosto fresco, negras tranças,
aqui na verde varanda!

Sobre a face da cisterna
balançava-se a gitana.
Verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Ponta gelada de lua
sustenta-a por cima da água.
A noite se fez tão íntima
como uma pequena praça.
Lá fora, à porta, golpeando,
guardas-civis na cachaça.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar.
E o cavalo na montanha.

Paco de Luccia

Que nem se fazia antigamente (e ainda se faz) em programa de rádio, dedico essa música do Paco de Luccia, Entre dos aguas (numa gravação de 1976), ao meu filho Maurício que,  como Lorca, toca violão e piano e que aprende a gostar música espanhola através do contemporâneo Paco de Luccia.  Ao Allen que me levou para conhecer a Espanha na nossa última viagem. Ao espanhol que encontrei no trem entre Granada e Barcelona e disse não gostar de Paco de Luccia, defendendo o flamenco "de raiz", e me disse ao saltar do trem em Valencia: "Segue sendo louca, segue lendo Lorca".  Ao Vinício que vive entre duas águas. Aos amigos que não se importam com nada que eu diga. Aos estranhos amigos que visitam este blog. Às mulheres "velhas" que dançam.  Ao Nietzsche que morreu dois anos após nascer Lorca,  que tanto o leu .


Cartografia do duende de Lorca: Nietzsche,Silverio, Manuel Torres, mulheres "velhas" que dançam e tudo e todos que temos "sonidos negros"!

Um dos livros de Lorca que comprei na viagem à Espanha foi Conferências II (infelizmente não achei o Volume I ). E fiquei encantada com essas conferências de Lorca, especialmente com uma  delas, Juego Y Teoria del Duende.  E passei a querer, quase que obssessivamente, a ver o tal duende. E procurava o flamenco com duende. Não é fácil encontrar esse flamenco na Espanha turística! Mas eu o procurei tanto que  achei alguns espetáculos que,  mesmo com clientelas de turistas, era o duende que Lorca se referia nessa conferência.

Agora com o Youtube a gente pode ver o mais autêntico flamenco. O flamenco com duende. Seguem alguns trechos da tal conferência e vídeos no Youtube com os artistas referidos por Lorca.

"Este 'poder misterioso que todos sienten y que ningún filósofo explica' es, en suma, el espíritu de la sierra, el mismo duende que abrazó el corazón de Nietzsche, que lo buscaba en sus formas exteriores sobre el puente Rialto o en la música de Bizet, sin encontrarlo y sin saber que el duende que él perseguía había saltado de los misteriosos griegos a las bailarinas de Cádiz o al dionisíaco grito degollado de la siguiriya de Silverio." 

Mas quem foi esse Silvério?  Nada mais, nada menos que o criador do flamenco!!! Um jardineiro, também criador de violetas: Silverio Franconetti.




" En toda Andalucía, roca de Jaén y caracola de Cádiz, la gente habla constantemente del duende y lo descubre en cuanto sale con instinto eficaz. El maravilloso cantaor El Lebrijano, creador de la Debla, decía: 'Los días que yo canto con duende no hay quien pueda conmigo"; la vieja bailarina gitana La Malena exclamó un día oyendo tocar a Brailowsky un fragmento de Bach: ' ¡Ole! ¡Eso tiene duende!', y estuvo aburrida con Gluck y con Brahms y con Darius Milhaud. Y Manuel Torres, el hombre de mayor cultura en la sangre que he conocido, dijo, escuchando al propio Falla su Nocturno del Generalife, esta espléndida frase: 'Todo lo que tiene sonidos negros tiene duende' . Y no hay verdad más grande."

Se você gostar de duende como eu gosto, vai gostar de ouvir o Manuel Torre.


"Una vez, 'la cantaora' andaluza Pastora Pavón, La Niña de los Peines, sombrío genio hispánico, equivalente en capacidad de fantasía a Goya o a Rafael el Gallo, cantaba en una tabernilla de Cádiz. Jugaba con su voz de sombra, con su voz de estaño fundido, con su voz cubierta de musgo, y se la enredaba en la cabellera o la mojaba en manzanilla o la perdía por unos jarales oscuros y lejanísimos. Pero nada; era inútil. Los oyentes permanecían callados. (...) Entonces La Nina de los Peines se levantó como una loca, tronchada igual que una llorona medieval, y se bebió de un trago un gran vaso de cazalla como fuego, y se sentó a cantar sin voz, sin aliento, sin matices, con la garganta abrasada, pero... con duende. Había logrado matar todo el andamiaje de la canción para dejar paso a un duende furioso y abrasador, amigo de vientos cargados de arena, que hacía que los oyentes se rasgaran los trajes casi con el mismo ritmo con que se los rompen los negros antillanos del rito, apelotonados ante la imagen de Santa Bárbara. "

Voz de estanho fundido, voz coberta de musgo. Que estranho. Como é isso?  Ouça "La Nina de los Peines":


"Hace años, en un concurso de baile de Jerez de la Frontera se llevó el premio una vieja de ochenta años contra hermosas mujeres y muchachas con la cintura de agua, por el solo hecho de levantar los brazos, erguir la cabeza y dar un golpe con el pie sobre el tabladillo; pero en la reunión de musas y de ángeles que había allí, bellezas de forma y bellezas de sonrisa, tenía que ganar y ganó aquel duende moribundo que arrastraba por el suelo sus alas de cuchillos oxidados.

Todas las artes son capaces de duende, pero donde encuentra más campo, como es natural, es en la música, en la danza y en la poesía hablada, ya que estas necesitan un cuerpo vivo que interprete, porque son formas que nacen y mueren de modo perpetuo y alzan sus contornos sobre un presente exacto."

O que pode um corpo? O que pode um corpo de uma mulher considerada "velha" pelos outros?


E dá-lhe mais mulheres "velhas" dançando como touro. Olé! Mulheres com duende.



"El duende no se repite, como no se repiten las formas del mar en la borrasca.
En los toros adquiere sus acentos más impresionantes, porque tiene que luchar, por un lado, con la muerte, que puede destruirlo, y por otro lado, con la geometría, con la medida, base fundamental de la fiesta.
El toro tiene su órbita; el torero, la suya, y entre órbita y órbita un punto de peligro donde está el vértice del terrible juego."

Tourada? Mas que violência é essa? Ecológico! E o que você acha de uma vida no trânsito da metrópole?  E o que você acha de um assalto armado numa esquina?




"El duende... ¿Dónde está el duende? Por el arco vacío entra un aire mental que sopla con insistencia sobre las cabezas de los muertos, en busca de nuevos paisajes y acentos ignorados: un aire con olor de saliva de niño, de hierba machacada y velo de medusa que anuncia el constante bautizo de las cosas recién creadas."

Ainda há duende na Espanha turística! Foi o que procurei ver e vi na Espanha de Lorca. Meninos, meninas, eu vi e ouvi em Cordoba: Curro Malena e Juan Habichuela, entre outros com duende


Vida e morte em Lorca

Vídeo sobre a vida e a obra de Lorca feito por um canal de TV da Andaluzia.



 Los cuatro muleros, de Lorca, cantado por Estrella Morente, acompanhada pela guitarra de Juan Habichuella.


Cantares Populares *

Los Cuatro Muleros

De los cuatro muleros
que van al campo,
el de la mula torda,
moreno y alto.

De los cuatro muleros
que van al agua,
el de la mula torda
me roba el alma.

De los cuatro muleros
que van al río,
el de la mula torda
es mi marío.

¿A qué buscas la lumbre
la calle arriba,
si de tu cara sale
la brasa viva?

* Cantares Populares são 13 cañções recolhidas e harmonizadas por Lorca.


LORCA QUE TE QUERO LORCA

EL POETA PIDE A SU AMOR QUE LE ESCRIBA

Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
Corazón interior no necesita
la miel helada que la luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena pues de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.

Federico Garcia Lorca



Lorca ao piano acompanhando sua grande amiga Argentinita
Há 12 anos atrás fui passear na Espanha. E eis que cheguei em Madri em pleno verão, mas fazia um frio daqueles (efeito do El Nino) e eu não havia levado roupas de inverno e não havia roupas de inverno para se comprar nas lojas da cidade. Nas vitrines e prateleiras, só biquines, shorts, mini-saias, vestidinhos frugais... A sorte é que meu esposo estava no Brasil e iria embarcar em uma semana para me encontrar e me prometeu levar casacos, meias, cachecóis etc. O que fazer até ele chegar?  Ler. Ler no calor do quarto do hotel!  Ler em espanhol para aprender um pouco a língua pois iríamos viajar por um mês pelo país. Não sabíamos por onde... Nomadismo. Ciganismo.

"...yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa."

Numa suntuosa livraria ao lado do hotel, comprei vários livros: Borges, Bioy Casares, Ortega y Gasset, Federico Garcia Lorca. Comecei pelo Lorca mesmo porque a Espanha comemorava 100 anos do seu nascimento. Então, havia várias reedições da obra dele, livros baratos, de bolso. Eu achava Lorca um poeta difícil, mas decidi encarar e fui encarando, e gostando, e gostando, e gostando. Adorei a poesia de Lorca. E comprei mais livros de Lorca e também um guia turístico de Granada, a cidade de Lorca. Decidi que queria conhecer Granada e a Andaluzia. Durante toda a viagem por Castela, Andaluzia e Barcelona, só dava Lorca na minha cabeça. Andava de braços dados com o Lorca por todos os lugares. E de lá para cá tem sido assim.  Venho conhecendo a sua obra e a história da sua vida. Uma super obra, um além-homem.


Granada - Alhambra - Serra Nevada
Hoje Lorca faria 112 anos. Para mim, ele faz 112 anos. Todos os anos, desde 1999, lembro-me do aniversário de vida (05 de junho) e de morte (na madrugada de 18 para 19 de agosto) do Lorca.  E sempre comemoro de algum jeito seu nascimento. E sempre choro a sua morte.  E isso não se passa só comigo. Há uma verdadeira legião mundial de amigos de Lorca, estudiosos de Lorca, amantes de Lorca. Então, ele está mais vivo do que muitos vivos. Vivo nos corações, vivo no pensamento, vivo no teatro, vivo na poesia, vivo na música. Lorca é mais que um mito, é um sentido.

Monumento a Lorca - Praça das Guianas - São Paulo - SP
Escultura de Flávio de Carvalho
Durante o dia de hoje, vou postar meus sentimentos, minhas homenagens a esse querido amigo da humanidade, que empurra homens e mulheres para o além da humanidade, para a vida intensa, inventiva, alegre, potente. Há quem pense que Lorca foi uma pessoa triste. Sua obra é trágica, sua morte foi trágica. Mas sua vida foi alegre. Lorca dançava, cantava, se irmanava com as mais diferentes pessoas, intelectuais, gente comum, ciganos, negros, marginais, gente famosa, gente sem fama alguma.  Lorca era pura alegria.
Lorca com Margarita Xirgu,
uma das mais importantes intérpretes da obra teatral de Lorca

Foi com alegria que viveu suas tristezas. A tristeza de não ser amado por quem se ama, talvez a maior tristeza da vida.

"¡Oh Salvador Dali, de voz aceitunada!"

Dali que preferiu Elena Ivanovna Diakonova, a famosa Gala. Uma tristeza que em Lorca não foi deprimida. Foi uma tristeza alegre porque aumentava a sua vontade de vida, de novos amores, de novas imaginações.  E eu suspeito que a fase da sua vida mais alegre foi nas Américas. Em 1929 foi para Nova York tentando esquecer esse amor e estudar. Não estudou, mas acho que curou ali sua paixão por Dali, além de ter escrito Poeta em Nova York, obra da literatura universal.  De Nova York foi para Cuba e depois, Argentina. Época, aliás, que seu sucesso explodiu. Sucesso total no teatro. Ganhou muito dinheiro com a montagem de uma peça sua em Buenos Aires (à época, um dos mais importantes centros culturais e teatrais do mundo ocidental). Dinheiro que ele compartilhou com amigos e com estranhos.

Lorca e Dali

Lorca foi um homem muito generoso. Uma noite em Buenos Aires recebeu uma mensagem do seu inconsciente de que precisava ajudar uma pessoa desesperada. Lorca era intuitivo, extremamente intuitivo. Saiu em busca dessa pessoa. Andou pelas ruas de Buenos Aires, entrou em bares, observou as pessoas atentamente. Assim, encontrou um patrício ( um granadino que havia migrado para a Argentina)desesperado, precisando muito de dinheiro e de esperança. Lorca lhe deu muito dinheiro e palavras amigas. E quando partiu da Argentina, deixou para os amigos uma mala que só poderia ser aberta quando ele já estivesse dentro do navio. Voltava para a Espanha onde seria assassinado poucos anos depois.  Na mala deixada, muito dinheiro.

cartaz do filme Bodas de Sangue,
baseado na peça de Lorca

O poema abaixo é para mim um dos mais bonitos de Lorca,  Foi feito em sua viagem à Cuba em 1930. Sobre ele  há muitos estudos. Disponível na internet, em português, indico esse artigo de Elena Godoy, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, Influências mútuas entre Federico Garcia Lorca e Nicolas Guíllen. E há também esse vídeo, o poema musicado por Michel Camilo,  cantado por Ana Belén.





Cuando llegue la luna llena
iré a Santiago de Cuba,
iré a Santiago,
en un coche de agua negra.
Iré a Santiago.
Cantarán los techos de palmera.
Iré a Santiago.
Cuando la palma quiere ser cigüeña,
iré a Santiago.
Y cuando quiere ser medusa el plátano,
Iré a Santiago
con la rubia cabeza de Fonseca.
Iré a Santiago.
Y con la rosa de Romeo y Julieta
iré a Santiago.
Mar de papel y plata de monedas
Iré a Santiago.
¡Oh Cuba! ¡Oh ritmo de semillas secas!
Iré a Santiago.
¡Oh cintura caliente y gota de madera!
Iré a Santiago.
¡Arpa de troncos vivos, caimán, flor de tabaco!
Iré a Santiago.
Siempre dije que yo iría a Santiago
en un coche de agua negra.
Iré a Santiago.
Brisa y alcohol en las ruedas,
iré a Santiago.
Mi coral en la tiniebla,
iré a Santiago.
El mar ahogado en la arena,
iré a Santiago,
calor blanco, fruta muerta,
iré a Santiago.
¡Oh bovino frescor de cañavera!
¡Oh Cuba! ¡Oh curva de suspiro y barro!
Iré a Santiago.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Festa no blog

Amanhã, 05 de junho, tem festa neste blog: aniversário de 112 anos do poeta, dramaturgo, músico Garcia  Lorca!

Federico García Lorca foi morto por tropas falangistas no dia 19 de agosto de 1939 em Viznar, Granada. Mataram-no da forma mais cruel e covarde: pelas costas. Nossa "vingança" tem sido ler e refletir a pungente obra de Lorca. Ele continua vivo. Muitas vezes ando de braços dados com ele. Me leva para conhecer os seus duendes.
"Todo lo que tiene sonidos negros tiene duende."

O devir-criança do pensamento

Muito bom o livro O devir-criança do pensamento. Recomendado para adultos em busca de ALEGRES recomeços de vida e pensamento.  Infelizmente já esgotado na editora, mas encontrado ainda em algumas livrarias.
Antes que alguns pensem tratar-se de uma infantilização da vida e do pensamento, destaco trecho de um dos artigos do livro: "Trata-se (...) da experiência de uma involução criadora, entendendo criação como atividade intensiva da vida. É nessa experiência que o próprio pensar (seja na filosofia, na arte ou na ciência) encontra a indicação do ' funcionamento vital e corporal do pensamento'. ". Luiz B.L. Orlandi  - O pensamento e seu devir criança -  (belíssímo texto que começa com uma homenagem ao Graciliano Ramos e seu livro Infancia).

quarta-feira, 2 de junho de 2010

João Luiz Roth e os 112 anos do Garcia Lorca

Fuçando na internet para achar uma boa foto do Federico Garcia Lorca, descobri um artista plástico que tem uma belíssima obra: João Luiz Roth.  Mandei essa mensagem para ele.

Prezado João Luiz,

Achei o seu site por acaso, ou melhor, procurando uma ilustração para algo que quero escrever sobre o Lorca (ele faria no próximo dia 05, 112 anos! E quero comemorar isso. ). E eis que encontrei seu trabalho magnífico: Escritas Plásticas e Estudos Não Verbais.

Quero saber se vc aceita me dar uma curta entrevista sobre os retratos do Lorca, como realiza esses infográficos, como andam as relações entre tecnologias de informação e artes plásticas etc. Falaríamos também, claro, do próprio Lorca.

Faríamos por e-mail a conversa e se vc topar, e for necessário, podemos completar alguma coisa por telefone. Gostaria de publicar isso no meu blog, fazendo um link pro seu site e, se vc autorizar, reproduzirei alguns dos seus trabalhos no blog.

Acho que assim a festa de aniversário do Lorca seria muito legal. Caso não possa me dar a entrevista, escreverei sobre os seus retratos do Lorca que são muito bons. Os dos outros também. Parabéns.

Aguardo seu retorno.

Abraço.

Marta Rezende

terça-feira, 1 de junho de 2010

Trabalho intelectual


Hoje acordei com uma "saudade" de Simone de Beauvoir. Há muitos devires Simone, mas hoje foi o devir trabalho intelectual que bateu forte.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

O curso PCS 5757 chega ao final com excelente aula de Regina Melo Silveira

Excelente a aula, na verdade uma conferência, da Regina Melo Silveira, pesquisadora e professora do Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores da Escola Politécnica da USP. Durante mais de  três horas, a Regina prestou aos alunos da disciplina PCS 5757  informações preciosas sobre tecnologias de transmissão de vídeo digital (Vídeoconferência, Video sob demanda, TV Digital e outras) cada vez mais utilizadas na educação e no mundo empresarial.

Solicitei à pesquisadora autorização para fazer uma materia sobre a conferência dela e postar neste blog. Ela concordou e vai me disponibilizar as transparências que projetou para que eu possa fazer melhor. Vou redigir essa matéria no dia 05 de junho. Portanto, aguardem. Já terá sido concluída a disciplina, o que é uma pena.

Essa matéria que vou postar daqui a duas semanas vai ser o meu modo de despedir-me da turma e agradecer por tudo de bom que o Romero Tori ,  a Itana Stiubiener e a Poli/USP nos propiciaram. Eu que era analfabeta em Tecnologias Interativas para a Educação, estou saindo um pouco melhor, menos ignorante, mais capaz de entender problemas e soluções da educação virtual.

Começamos com leituras sobre cognição e tecnologias educacionais;  vimos conceitos importantes de tempo, espaço e interatividade na educação; estudamos ferramentas de autoria e gerenciadores; comparamos Learning Management Systems disponíveis; adentramos no amplo mundo dos jogos e a educação; fizemos duas aulas no Second Life; exploramos conceitos de tecnologia de realidade virtual aumentada;  debatemos estratégias de educação virtual (construção de objetos de aprendizagem e uso da web 2.0); cada aluno construiu um blog,  ingressou em redes sociais e serviços de bookmarks na web; tivemos a oportunidade de debater vários temas educacionais com o Romero em seu blog; tivemos acesso a uma ampla e atualizada bibliografia . Para finalizar o programa, a Regina foi convidada a nos apresentar um conjunto amplo de tecnologias videodigitais.

Muito bom o curso. Não aproveitei 100%, mas já foi muito bom o que aprendi. Educação boa é assim: cria diferenças no ser e no saber.  Estou saindo desse curso bem diferente do que entrei.



Uma das fotos de uma aula da PCS 5757 no Second Life. Mais fotos, vídeo e outras informações dessa aula podem ser vistas aqui.  

Comentário do Silvio Stanzini

Pessoal da PCS 5757, o Sílvio fez um comentário à materia que eu postei em 08 de maio que acabo de incorporar ao original intitulado  EXCELENTES O DEBATE E A AULA ONTEM NA PCS 5757, reeditando o conteúdo. Nessa matéria comento o debate que fizemos em classe sobre criação de objetos de aprendizagem ou web 2.0 na educação. Não consegui expressar toda a riqueza do debate, por exemplo as contribuições dadas pelo Marcelo, pelas colegas da Unesp/Bauru, pelo Fábio, pelo Bruno, pelo Romero e pela Itana, além de outros.  Mas busquei ao menos reproduzir as linhas gerais dessa conversa e para isso me reportei à opinião do Sílvio e à minha. Mas ainda é tempo de vocês entrarem nos comentários e se expressarem. Assim, vou reeditando a matéria sempre que houver um novo comentário. Ok?

domingo, 23 de maio de 2010

De um grande escritor para um grande filósofo




















Espinosa
                                                               Machado de Assis

Gosto de ver-te, grave e solitário,
Sob o fumo de esquálida candeia,
Nas mãos a ferramenta de operário,
E na cabeça a coruscante idéia.

E enquanto o pensamento delineia
Uma filosofia, o pão diário
A tua mão a labutar granjeia
E achas na independência o teu salário.

Soem cá fora agitações e lutas,
Sibile o bafo aspérrimo do inverno,
Tu trabalhas, tu pensas, e executas

Sóbrio, tranqüilo, desvelado e terno,
A lei comum, e morres, e transmutas
O suado labor no prêmio eterno.

Elite brasileira : entreguista e sem ideal nobre

“A elite brasileira é entreguista”. Raimundo Faoro
Concordo totalmente. As elites entregam as riquezas do Brasil pelo preço de banana, banana estragada. Exagero? Até hoje não estão nada claras as vantagens/desvantagens da venda do sistema Telebras, da Vale do Rio Doce e de outras empresas que foram privatizadas e internacionalizadas na década de 1990.

"A elite brasileira aceita com impávida resignação o papel reservado ao País há quase um século, de súdito do Império. Antes, foi de outros. Súdito por séculos, embora graúdo por causa de suas dimensões e infindas potencialidades, destacado dentro do quintal latino-americano. Mas subordinado, sempre e sempre, às vontades do mais forte."  Leia mais essa brilhante reflexão de Mino Carta  sobre nossas tristes elites: Mino Carta - "Os interesses do Império e os nossos" - Carta Capital

Sim, elites tristes. Tristes para nós, povo comum, povo que vive do trabalho.  Para elas mesmas,  deve ser bastante alegre: muita gastança, muita festa, muito luxo, muita disponibilidade de gente para lhes servir. E no final da festa, pagam salários os mínimos possíveis aos que trabalham.  Resistem bravamente nossas elites a a se ter no Brasil uma cultura do salário, uma cultura de real democracia que significa repartição melhor da riqueza.  São ainda bastante escravocratas as nossas elites econômicas. Pensam como senhores, agem como senhores, fazem política como senhores. Senhores latifundiários, donos de terras e escravos. Nossos elites ainda se comportam como nos tempos da economia cafeeira. Modernizam o país no que lhes interessa, mas resistem o quanto podem a promover avanços sociais e valorização do trabalho.  Nesse processo, não titubeiam, se necessário for, vender o país em troca de manutenção dos seus luxos. Vendem as riquezas naturais do país, vendem o mercado brasileiro, vendem o sangue do povo trabalhador. Me parece, aliás, que as elites brasileiras têm sido modelo para algumas elites globais no que diz respeito à ampliação do controle da riqueza em situação de aperto social. É o que alguns cientistas sociais chamam de "brazilianização do mundo".

Por mais que disfarcem, a gente sabe muito bem o quanto é insuportável para as elites ter um presidente como o Lula. Apesar de muitas falhas em seu governo e dos amplos benefícios que as elites mantiveram e até ampliaram (como as exorbitantes taxas de lucro no sistema financeiro), não há dúvida que Lula busca traçar caminhos entre as pedras (com políticas sociais e políticas de desenvolvimento para o país). Mas o povo tem lá sua sabedoria e nenhuma preguiça em experimentar ideais mais nobres que faltam às elites. Essa é a boa condição da democracia: apesar da mídia, o povão manifesta-se nas urnas com bastante independência e altivez. Estão aí os resultados das pesquisas eleitorais. A grande mídia tenta pintar a Dilma de diabo ("estatizante", "autoritária", "inexperiente" etc), mas a maioria vai nela porque sabe que esse caminho é mais desenvolvimentista, é mais equilibrado socialmente.

Dão o que pensar essas elites. A começar: qual a graça de ser rico, milionário, poderoso, sem portar nenhum ideal nobre?

O Brasil não é só litoral. O Brasil é dentro e fundo.


Zé Maria Machado, um artista, um homem lindo, destemido, meu amigo de sempre, na presença, na ausência. Zé, te amo.



Ao Zé Maria e aos amigos do Bar da Ora, em Catas Altas do Mato Dentro (MG), terra de poucos matos, mas de muitos dentro: nunca é demais ouvir, cantar, bailar o Hino dos Guerreiros pela Vida, TENTE OUTRA VEZ, na voz do guerreiro Raul Seixas, leitor de Nietzsche.

sábado, 22 de maio de 2010

O BELO II

"O belo é aquilo que desespera"

Paul Valéry


Detalhe de "A morte da virgem" 
Caravaggio
"...
E eu sou Caravaggio,
que luto, denodadamente, com a arte
para que a tragédia,
sagrada ou profana,
se represente igual à sua gravidade,
cantem, ou não, os anjos as hossanas,
goste-se, ou não se goste, do que faço.

A vida é turbulência
– e é assim que chega às minhas telas,
...."
Poemas de Caravaggio - Amadeu Baptista

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O BELO

Ao meu amigo do mundo virtual
Mauro Julio
que eu adoro
e que adora a Nicole Kindman
que eu também adoro
mas que ele adora mais que eu
que mais adoro o Rilke.

"Pois o belo não é
Senão o início do terrível, que já a custo suportamos,
E o admiramos tanto porque ele tranquilamente desdenha
Destruir-nos. Cada anjo é terrível."
 
Rainer Maria Rilke 
 As Elegias de Duíno


quinta-feira, 20 de maio de 2010

Comunicação: uma interrogação filosófica

Excelente dossiê da revista Réseaux. Communication – Technologie – Société em filosofia da comunicação. A publicação é de 1991, mas com total validade para pensar a comunicação na atual realidade.  Gostei particularmente do artigo do Pierre Lévy, em que  propõe seis princípios do hipertexto: metamorfose, heterogeneidade, multiplicidade, exterioridade, topologia, mobilidade dos centros. Muito semelhantes às características do rizoma de Deleuze-Guatari em Mil Platôs, Vol. 1.

Link da revista e do artigo do Lévy:

Le dossier : La communication : une interrogation philosophique


 -  Medium whithout message ? suivi de "L'opinion publique malgré tout"  - Paul Beaud

-  Pour une communication sans concept -  Jean-Michel Besnier

 - L'archive, moyen de communication et constitution du sujet historique. Un voyage à travers les archives judiciaires du XVIIe siècle -  Arlette Farge

- L'historien et le sociologue face à la technique. Le cas des machines sonores - Patrice Flichy

L'hypertexte, instrument et métaphore de la communication -  Pierre Lévy

- D'un modèle épistémologique de la communication à un modèle praxéologique -  Louis Quéré

- Le sujet de la communication -  Alain Renaut

- Modestes propositions pour une histoire du présent : la communication comme entrelacs de médiations- Jean-Paul Simon

-  Pour en finir avec la "communication" - Eliseo Véron

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Rock e filosofia

Rock e Filosofia
Daniel Lins

Por que um filósofo se interessa pelo rock?

A música é uma questão filosófica, de pleno direito. Platão, na República, pontifica: “Cabe aos responsáveis evitar que nada de novo, no que diz respeito à ginástica e à música, se introduza contra as regras estabelecidas. Quais são as harmonias efeminadas usadas nos banquetes? A jônica e a lídia. Não se pode mudar os modos da música sem golpear as mais importantes leis da Cidade”. (1)

Por que Bob Dylan? A fascinação de alguns roqueiros por Deleuze, sua participação em gravações de bandas de rock, o uso que faz de algumas letras de Dylan para pensar sua filosofia, há no rock algo que constitui um elemento de autocriação.

Deleuze diz: “As aulas foram uma parte da minha vida, eu as dei com paixão. É como um laboratório de pesquisas: dá-se um curso sobre aquilo que se busca e não sobre o que se sabe. É preciso muito tempo de preparação para obter alguns minutos de inspiração. Nada se opõe, em princípio, a que um curso seja um pouco até como um concerto de rock.". (2)

Como Bob, ele faz o elogio do bando: “Os bandos vivem os piores perigos, reformar os juízes, tribunais, escolas, famílias e conjugalidades.” (3)

Filosofia no rock brasileiro: Legião Urbana “Teatro dos Vampiros”, Engenheiros do Hawaii “Muros e Grades”, “O Anarquismo.” “Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada.” Titãs: “Televisão.”. Engenheiros do Hawaii denuncia o despotismo esclarecido e sugere um individualismo radical como alternativa de “sobrevivência” à industrial libidinal. Renato Russo, em “A fonte”, propõe uma leitura da Alegoria da Caverna.

Sair dos hábitos duradores, matadores de desejos e vontade de vida, eis a força do sentido que se recusa a estacionar, a torna-se uma representação.

O rock parece insensato, tanto do ponto de vista do sentido inteligível, como insuportável do ponto de vista da sensibilidade, mas é assim que ele faz sozinho um mundo à parte. Um mundo é uma circulação interna de sentidos permitindo enviar signos uns aos outros, e no qual Bob ocupa um imenso lugar, o que leva Deleuze, Foucault, J-L Nancy e Derrida a admirá-lo.

Há mais de 50 anos o rock age como o mundo, como o cosmos: rock se experimentando como um mundo privado do mundo: o rock e o roqueiro como diferenças intratáveis – satanização e repressão pela Igreja, comunismo de leste e puritanismo americano. Dylan foi proibido de cantar na China. O trio: “Sexo-Droga-Rock.” não para de açoitar as boas almas, pois perdura como um estigma.

O rock, ligado à história de protestos políticos, sociais, deu origem ao movimento americano “Canção de Protesto.” Esse apelo é também um desejo de metamorfose, e no caso de Dylan, de combate heraclitiano, de transvalorização, ilustrado em seu poema-canção: “Os tempos mudam.” O que muda no tempo do rock é que a afirmação musical visa o agora, o imediato revisitado pela saudade do futuro!

O rock se constituiu como fenômeno mundial em todos os sentidos e teve um papel peculiar nas transformações do século XX. Sabemos o que representou a escuta do rock nos países de Leste, com a queda do muro de Berlim; antes, a maioria dos jovens escutava rock, sobretudo, em Berlim, onde era possível captar as rádios ocidentais.

Não há, de fato, outro fenômeno cultural que possa reivindicar semelhante força de propagação e contágio. O rock precedeu algo desse movimento geral de abertura, ou saída da clausura, que chamamos hoje globalização.

Pé na estrada, sucesso, críticas ferrenhas, mutismo, para Dylan, uma biografia não é uma literatura de arquivo, é uma literatura-rock, uma composição literária que deixa escutar uma outra música.

O garoto, com um boné de operário, que se torna um homem rico, é comparado a Rimbaud, tanto pelo conteúdo literário de seus textos como por uma carreira precoce, entrecortada por ausências prolongadas.

Ousar é preciso! A TV Cultura de São Paulo abre um módulo, no âmbito do programa “Café Filosófico” com o tema: “Filosofia e Rock – Gilles Deleuze e Bob Dylan.”. Por outro lado, a Universidade Federal do Pará acolhe em Belém o X Simpósio Internacional de Filosofia, Nietzsche/Deleuze, “Natureza/Cultura”, de 25 a 27 de maio, inaugurando a etapa cigana do projeto que teve sua fase áurea em Fortaleza, durante nove anos.

(1) Platão. A República, Livro III. Os pensadores. São Paulo: Ed. Abril, p. 92.
(2) Deleuze, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 173-174.
(3) Deleuze, Gilles;  Parnet, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998, p.17.
__________________

Daniel Lins me autorizou a publicar esse artigo aqui.