terça-feira, 20 de abril de 2010

FLOW II

"Tempo é criança brincando, jogando; de criança o reinado." 

Heráclito
Ilustração: Portinari. Crianças brincando, 1955. Crianças pulando carniça, 1957.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

ENTRAR EM FLUXO

"Enquanto estou ocupado com alguma coisa, penso que estou a fazer a coisa mais linda do mundo. Quando tenho êxito em alguma coisa, então à noite, sento-me em frente dela enamorado. E essa paixão é maior do que qualquer paixão por pessoa. No dia seguinte, os olhos abrem-se de novo. "
Escher (tb. autor da ilustração)

quinta-feira, 15 de abril de 2010

POR QUE FILOSOFIA? PARA CUIDAR DE SI.


"Quando se é jovem, não se pode evitar de filosofar e, quando se é velho, não se deve cansar de filosofar. Nunca é muito cedo ou muito tarde para cuidar de sua alma. Aquele que diz que não é ainda, ou que não é mais tempo de filosofar, parece àquele que diz que não é ainda, ou não é mais tempo de atingir a felicidade. Deve-se, então, filosofar quando se é jovem e quando se é velho, no segundo caso (...) para rejuvenescer ao contato do bem, pelas lembranças dos dias passados, e no primeiro caso (...) afim de ser, ainda que jovem, tão firme quanto um velho diante do futuro." Epicuro (sec. IV AC)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

PARADIGMAS CONTEMPORÂNEOS DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

" Se eu quero ir à lua, necessito de conhecimento científico; mas se eu quero preservar a biodiversidade, preciso do conhecimento indígena e camponês. "
    Boaventura de Sousa Santos


As principais alterações epistemológicas que se produziram no movimento científico nos últimos 20 anos segundo Boaventura de Sousa Santos:  

Deslocamento da física para as ciências da vida: " o discurso epistemológico deslocou-se da física para as ciências da vida, sobretudo para a genética, e com isso surgiram novos problemas: a relação entre genética, biologia da evolução e biologia do desenvolvimento; os fenómenos biológicos entre a linguagem físico-química da vida e a linguagem da informação; os problemas éticos da investigação genética à regulação desta; a relação entre a indústria da biotecnologia e a investigação científica; o patenteamento de formas de vida ou de processos ligados à vida."

Valorização do pragmatismo: "estes desenvolvimentos deram origem a novas fracturas entre paradigmas reducionistas e paradigmas da complexidade, das quais emergiram novas questões no seguimento das que eu tinha identificado em Um Discurso: o conhecimento como resultado de processos locais e, portanto, situado e contextualizado; valorização epistemológica do pragmatismo."

Colapso da separação entre ciências naturais e ciências sociais: "a crescente saliência de áreas de conhecimento em que a distinção entre “ciências naturais” e “ciências sociais” colapsa: ciências do ambiente, ciências cognitivas, biodiversidade, ciências da saúde."

Diálogo entre ciência e não-ciência:
"o reconhecimento crescente, sobretudo nas duas últimas áreas que acabei de referir, do carácter parcial do conhecimento científico e da necessidade de procurar diálogos entre ele e conhecimentos não científicos, por vezes, incorrectamente, designados como “etno-saberes”. A esse diálogo venho chamando a ecologia dos saberes. "



Os textos acima, editados aqui, foram extraídos de: "Em torno de um novo paradigma sócio-epistemológico.  Manuel Tavares conversa com Boaventura de Sousa Santos." In: Revista Lusófona de Educação, vol. 10, nº 10, 2007.   Disponível in: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/issue/view/67 . Consulta: 14.04.2010
Para saber mais sobre Boaventura de Sousa santos, ver: http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/homepage.php

terça-feira, 13 de abril de 2010

30 ANOS SEM SARTRE, O MESTRE DOS MESTRES

"Tristeza das gerações sem mestres..." 
Homenagem ao mestre que daqui a dois dias completará 30 anos de morte: Jean Paul Sartre (Paris, 21 de Junho de 1905 -  Paris, 15 de Abril de 1980). Nada melhor que as palavras de outro grande mestre. 
___________


ELE FOI MEU MESTRE
Gilles Deleuze 
Tristeza das gerações sem « mestres ». Nossos mestres não são apenas os professores públicos, ainda que tenhamos uma grande necessidade de professores. No momento em que atingimos a idade adulta, nossos mestres são aqueles que nos tocam com uma novidade radical, aqueles que sabem inventar uma técnica artística ou literária e encontrar as maneiras de pensar que correspondem à nossa modernidade, quer dizer, tanto às nossas dificuldades como aos nossos entusiasmos difusos. Sabemos que existe apenas um valor de arte e até mesmo de verdade : a « primeira mão », a novidade autêntica daquilo que se diz, a « musiquinha » com a qual aquilo é dito. Sartre foi isso para nós (para a geração que tinha vinte anos no momento da Liberação). Quem, na época, soube dizer algo de novo além de Sartre ? Quem nos ensinou novas maneiras de pensar ? Por mais brilhante e profunda que tenha sido, a obra de Merleau-Ponty era professoral e dependia daquela de Sartre em muitos aspectos. (Sartre assimilava de bom grado a existência do homem ao não-ser de um “buraco” no mundo : pequenos lagos de nada, dizia. Mas Merleau-Ponty os considerava como dobras, simples dobras e dobramentos. Assim se distinguiam um existencialismo duro e penetrante e um existencialismo mais brando, mais reservado.) E Camus, ai! Ora se tratava de um virtuosismo afetado, ora de uma absurdidade de segunda mão. Camus valia-se de pensadores malditos, mas toda sua filosofia nos conduzia a Lalande e a Meyerson, autores já bem conhecidos dos alunos do terceiro grau. Os novos temas, um certo estilo novo, uma nova maneira polêmica e agressiva de levantar os problemas, tudo isso veio de Sartre. Na desordem e nas esperanças da Liberação, descobria-se, redescobria-se tudo : Kafka, o romance americano, Husserl e Heidegger, os acertos de contas sem fim com o marxismo, o impulso em direção a um novo romance…Tudo passava por Sartre, não apenas porque, sendo um filósofo, possuía um gênio da totalização, mas porque sabia inventar o novo. As primeiras representações de As Moscas, a aparição de O Ser e o nada, a conferência O Existencialismo é um humanismo foram acontecimentos : aprendia-se aí, depois de longas noites, a identidade do pensamento e da liberdade.
Pensador privado 
Os « pensadores privados » opõem-se, de uma certa maneira, aos « professores públicos ». Até mesmo a Sorbonne precisa de uma anti-Sorbonne, e os estudantes só escutam bem seus professores quando têm também outros mestres. Nietzsche, no seu tempo, deixara de ser professor para tornar-se pensador privado : também Sartre o fez, num outro contexto e com uma outra saída. Os pensadores privados têm duas características: uma espécie de solidão que permanece como propriamente sua em qualquer circunstância; mas também uma certa agitação, uma certa desordem do mundo, na qual eles surgem e falam. Além do mais, só falam em seu próprio nome, sem « representar » nada; e solicitam presenças brutas no mundo, potências nuas que de modo algum são « representáveis ». Já em Que é a literatura? Sartre traçava o ideal do escritor : « O escritor retomará o mundo tal e qual, todo nu, todo suado, todo fedido, todo cotidiano, para apresentá-lo às liberdades fundado sobre uma liberdade…Não é suficiente conceder ao escritor a liberdade de dizer tudo ! É preciso que ele escreva a um público que tenha a liberdade de mudar tudo, o que significa – além da supressão das classes – a abolição de toda ditadura, a renovação perpétua dos cargos, a derrubada contínua da ordem – a partir do momento em que ameaça se fixar. Em uma só palavra, a literatura é essencialmente a subjetividade de uma sociedade em revolução permanente”. Desde o início Sartre concebeu o escritor sob a forma de um homem como os outros, dirigindo-se aos outros do ponto de vista único de sua liberdade. Toda sua filosofia se inseria num movimento especulativo que contestava a noção de representação, a própria ordem da representação: a filosofia mudava de lugar, abandonava a esfera do juízo, para se instalar no mundo mais colorido do « pré-judicativo », do « sub-representativo ». Sartre acaba de recusar o prêmio Nobel. Continuação prática da mesma atitude, horror à idéia de representar algo praticamente, ainda que seja dos valores espirituais ou, como ele, diz, de ser institucionalizado.
Esperança revolucionária
O pensador privado precisa de um mundo que comporte um mínimo de desordem, mesmo que seja apenas uma esperança revolucionária, um grão de revolução permanente. Em Sartre, há uma espécie de fixação na Liberação, nas esperanças desiludidas desse momento. Foi preciso a guerra da Argélia para reencontrar algo da luta política ou da agitação liberatória e, então, em condições muito mais complexas, já que não éramos mais os oprimidos mas, precisamente, aqueles que deviam se voltar contra si mesmos. Ah ! juventude. Só resta Cuba e a guerrilha venezuelana. Porém, maior ainda do que a solidão do pensador privado, há a solidão dos que buscam um mestre, dos que gostariam de um mestre e que só poderiam encontrá-lo num mundo agitado. A ordem moral, a ordem « representativa » fechou-se sobre nós. Até o medo atômico tomou ares de um medo burguês. Agora acontece até de propor-se aos jovens Teilhard de Chardin como modelo de pensador. Tem-se o que se merece. Depois de Sartre, não apenas Simone Weil, mas a Simone Weil da imitação. Porém, não é que não existam coisas profundamente novas na literatura atual. Citemos ao acaso : o novo romance, os livros de Gombrowicz, os contos de Klossowski, a sociologia de Lévi-Strauss, o teatro de Genet e de Gatti, a filosofia da « desrazão » que Foucault elabora…Mas o que falta hoje, o que Sartre soube reunir e encarnar para a geração precedente, são as condições de uma totalização: aquela em que a política, o imaginário, a sexualidade, o inconsciente, a vontade se reúnem nos direitos da totalidade humana. Hoje nós subsistimos com os membros esparsos. Sartre dizia de Kafka : sua obra é « uma reação livre e unitária ao mundo judeo-cristão da Europa central ; seus romances são o ultrapassamento sintético de sua situação de homem, de judeu, de tcheco, de noivo relutante, de tuberculoso etc. ».  Mas o próprio Sartre : sua obra é uma reação ao mundo burguês, tal como o comunismo o põe em questão. Ela exprime o ultrapassamento de sua própria situação de intelectual burguês, de ex-aluno da École Normale, de noivo livre, de homem feio (já que Sartre se apresentava freqüentemente assim)… etc. : tudo isso que se reflete e ecoa no movimento de seus livros.
A subjetividade e as exigências coletivas 
Falamos de Sartre como se ele pertencesse a uma época acabada. Mas ai! Nós é que estamos já acabados na ordem moral e no conformismo atual. Pelo menos Sartre nos permite uma vaga espera dos momentos futuros, de retomadas nas quais o pensamento se reformará e refará suas totalidades, como potência ao mesmo tempo coletiva e privada. É por isso que Sartre continua sendo nosso mestre. O último livro de Sartre, A crítica da razão dialética, é um dos livros mais belos e mais importantes surgidos nestes últimos anos. Ele dá a O ser e o nada seu complemento necessário, no sentido em que as exigências coletivas completam a subjetividade da pessoa. E quando pensamos novamente em O ser e o nada é para reencontrar o espanto que tínhamos diante em face dessa renovação da filosofia. Agora já sabemos melhor que as relações de Sartre com Heidegger, sua dependência de Heidegger, eram falsos problemas que se apoiavam em mal-entendidos. O que nos tocava em O ser e o nada era unicamente sartreano e dava a envergadura da contribuição de Sartre : a teoria da má-fé, em que a consciência, no seu interior, brincava com a sua dupla potência de não ser o que é e de ser o que não é; a teoria do Outrem, em que o olhar de outrem bastava para fazer o mundo vacilar e « roubá –lo » de mim ; a teoria da liberdade, em que esta se limitava a si mesma ao se constituir em situações ; a psicanálise existencial, onde se podia reencontrar as escolhas de base de um indivíduo no centro de sua vida concreta. E cada vez, a essência e o exemplo entravam em relações complexas que davam um estilo novo à filosofia. O garçom do café, a moça apaixonada, o homem feio e, principalmente, meu amigo-Pierre-que-nunca-estava-presente, formavam verdadeiros romances na obra filosófica e percutiam as essências ao ritmo de seus exemplos existenciais. Por toda parte brilhava uma sintaxe violenta, feita de rachaduras e de estiramentos, lembrando as duas obsessões sartreanas : os lagos de não-ser, as viscosidades da matéria.
Recusa do Prêmio Nobel
A recusa do prêmio Nobel é uma boa notícia. Finalmente, alguém que não tenta explicar que é um delicioso paradoxo para um escritor, para um pensador privado, aceitar honras e representações públicas. Muitos espertinhos já tentam levar Sartre à contradição : demonstram-lhe sentimentos de despeito, vindo o prêmio tarde demais ; objetam dizendo que, de qualquer maneira, ele representa algo; recordam-lhe que, de todo modo, seu sucesso foi e permanece sendo burguês; deixam entender que sua recusa não é nem sensata nem adulta ; mostram-lhe o exemplo daqueles que aceitaram-recusando, dando pelo menos o dinheiro à caridade. Melhor seria não provocar muito, Sartre é um polemista perigoso…Não há gênio sem paródia de si mesmo. Mas qual é a melhor paródia? Tornar-se um velho adaptado, uma autoridade espiritual coquete? Ou então querer ser o abobado da Liberação? Ver-se acadêmico ou sonhar em ser combatente venezuelano? Quem não vê a diferença de qualidade, a diferença de gênio, a diferença vital entre essas duas escolhas ou essas duas paródias? Ao que Sartre é fiel? Sempre ao amigo Pierre-que-nunca-está-presente. É o destino desse autor trazer ar puro quando ele fala, mesmo que seja difícil respirar esse ar puro, o ar das ausências.

In:  Deleuze, Gilles. L´île déserte et autres textes
A versão publicada acima, sem as notas, é tradução de Francisca Maria Cabrera. Disponível in:   prof.alexsantana.googlepages.com/TextodeGillesDeleuzesobreSartre-para.doc . Consulta em 13.04.2010 . Os intertítulos não fazem parte do texto original.  

Obs.: Esse livro foi publicado no Brasil:  Deleuze, Gilles. A ilha deserta e outros textos - Textos e entrevistas ( 1953-1974 ). Tradução de Luiz B. Orlandi . São Paulo:Iluminuras, 2006.
Fotos: 1) Sartre e Simone de Beauvoir; 2) Gilles Deleuze; 3) Sartre com Foucault ao fundo; 4) Sartre, Simone e Che Guevara; 5) capa do livro Crítica da razão dialética ; 6) Sartre em manifestação em Maio de 1968. 

segunda-feira, 12 de abril de 2010

PARA MUITO ALÉM DO YOUTUBE: UBU

Fantastique! É de tirar o fôlego da gente o tanto de coisa boa que tem neste site de artes http://www.ubu.com/ . 

Quem quiser ir direto pra filmoteca, prepare o seu coração: http://www.ubu.com/film/


UbuWeb is a completely independent resource dedicated to all strains of the avant-garde, ethnopoetics, and outsider arts. All materials on UbuWeb are being made available for noncommercial and educational use only. All rights belong to the author(s). UbuWeb is completely free.

TRANSFORMAR O MUNDO EM CAMPUS GLOBAL. EDUCAÇÃO PERMANENTE PARA TODOS! SOLUÇÕES COLETIVAS!!!

domingo, 11 de abril de 2010

ROMERO TORI: PROFESSOR SEM DISTÂNCIA

O professor Romero Tori acaba de lançar, pela Editora Senac - São Paulo,  o livro EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIA. Não pude ir ao lançamento do livro (as chuvas naquela semana fizeram a minha agenda virar uma bagunça), mas entrei no blog dele http://romerotori.blogspot.com/ e fiz um comentário respondendo à pergunta postada por ele: "O QUE É EDUCAÇÃO?". Reproduzo aqui meu comentário

Prezado professor Romero, parabéns pelo lançamento do livro. Agora ele nos pertence, ao público leitor. Obrigada pela parte que me toca.

Sobre educação, o que venho pensando é que não há um conceito único. Depende de quem conceitua. Para alguns educação significa treinamento. Para outros, significa aprender a se libertar (inclusive dos treinamentos). Para a maioria, infelizmente, educação é recognição (aprender o que já é conhecido. O mesmo!). Para mim, educação, como penso atualmente, é diferenciação, é devir. Ao invés de reconhecer, criar. O mundo não está pronto. Podemos, inventá-lo. E a vida é a grande escola. Na escola da vida, aprender passa também pelo desaprender. Devemos desaprender muitas bobagens que vamos acumulando num saco muito grande, desaprender hábitos que aprisionam a vida, desaprender teorias que não servem para nada, desaprender a ser levianos, desaprender a julgar, desaprender a ser autoritários etc. A lista é longa... O que a gente vai botando no lugar dos vazios deixados pelo desaprender? Na verdade, não há vazios porque ao desaprender, aprendemos, criamos novos valores, novos conhecimentos, novos comportamentos, novas habilidades. Sem querer ser referência, dona da verdade, dou meu testemunho pessoal: descobri recentemente que a educação é uma "máquina de guerra" pela vida. Suas aulas para mim são isso: mais do que os conceitos que vc ensina, que projeta na parede, SUA PRESENÇA É MUITO EDUCADORA, pois estimula o pensamento (coisa rara hoje em dia porque há uma enorme máquina anti-pensamento), estimula a pesquisa (aprender em atividade) e , o mais importante, CRIA AFETOS POSITIVOS. Seu curso (PCS5757, na Poli) está sendo ótimo para mim, pois me proporciona aquilo que o Spinoza aconselha cultivar para aumentar a potência da vida: BONS ENCONTROS E PAIXÕES ALEGRES.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

FAZER DO CONHECIMENTO O AFETO MAIS POTENTE

Quando Nietzsche encontrou Spinoza
" Estou inteiramente espantado, inteiramente encantado! Tenho um precursor e que precursor! Eu não conhecia quase nada de Espinosa; que eu agora ansiasse por ele foi uma “ação do instinto”. Não só, que sua tendência geral seja idêntica à minha - fazer do conhecimento o afeto mais potente - em cinco pontos capitais de sua doutrina eu me reencontro, este pensador, o mais fora da norma e o mais solitário, me é o mais próximo justamente nestas coisas: ele nega o livre-arbítrio; os fins; a ordem moral do mundo; o não-egoísmo; o mal ; se certamente também as diferenças são enormes, isso se deve mais à diversidade de época, de cultura, de ciência. In summa: minha solidão, que, como sobre montes muito altos, com freqüência provocou-me falta de ar e fez-me o sangue refluir, é ao menos agora uma dualidão."
Friedrich Nietzsche - trecho do cartão-postal a   Franz Overbeck - Sils-Maria, 30 de julho de 1881
Para saber sobre Nietzsche e Spinoza, ver blogs de Amauri Ferreira: http://amauriferreira.blogspot.com/;  http://amauriferreiracursos.blogspot.com/; http://bibliotecanomade.blogspot.com/

quarta-feira, 31 de março de 2010

AS DUAS MEMÓRIAS DE BERGSON: A AUTOMÁTICA E A PURA

"Estudo uma lição, e para aprendê-la de cor leio-a primeiramente escandindo cada verso; repito-a em seguida um certo número de vezes. A cada nova leitura efetua-se um progresso; as pala­vras ligam-se cada vez melhor; acabam por se organizar juntas. Nesse momento preciso sei minha lição de cor; dizemos que ela tornou-se lembrança, que ela se impri­miu em minha memória.
Examino agora de que modo a lição foi aprendida, e me represento as fases pelas quais passei sucessivamente. Cada uma das leituras sucessivas volta-me então ao espírito com sua individualidade própria; revejo-a com as circunstâncias que a acompanhavam e que a enquadram ainda; ela se distingue das precedentes e das subseqüentes pela própria posição que ocupou no tempo; em suma, cada uma dessas leituras torna a passar diante de mim co­mo um acontecimento determinado de minha história. Dir-se-á ainda que essas imagens são lembranças, que elas se imprimiram em minha memória. Empregam-se as mesmas palavras em ambos os casos. Trata-se efetiva­mente da mesma coisa? "
Henri Bergson - Apud Fagundes in http://claudioalex.multiply.com/journal/item/859/859
Ilustração: Moça com livro - Almeida Júnior

sexta-feira, 26 de março de 2010

APRENDER É COMPREENDER A DIFERENÇA ATRAVÉS DA REPETIÇÃO

" O movimento do nadador não se assemelha ao movimento da onda; e, precisamente, os movimentos do professor de natação, movimentos que reproduzimos na areia, nada são em relação aos movimentos da onda, movimentos que só aprendemos a prever quando os apreendemos praticamente como signos. Eis por que é tão difícil dizer como alguém aprende: há uma familiaridade prática, inata ou adquirida, com os signos, que faz de toda educação alguma coisa amorosa, mas também mortal. Nada aprendemos com aquele que nos diz: faça como eu. Nossos únicos mestres são aqueles que nos dizem "faça comigo" e que, em vez de nos propor gestos a serem reproduzidos, sabem emitir signos a serem desenvolvidos no heterogêneo. Em outros termos, não há ideo-motricidade, mas somente sensório-motricidade. Quando o corpo conjuga seus pontos relevantes com os da onda, ele estabelece o princípio de uma repetição, que não é a do Mesmo, mas que compreende o Outro, que compreende a diferença e que, de uma onda e de um gesto a outro, transporta esta diferença pelo espaço repetitivo assim constituído. Apreender é constituir este espaço do encontro com signos, espaço em que os pontos relevantes se retomam uns nos outros e em que a repetição se forma ao mesmo tempo em que se disfarça. Há sempre imagens de morte na aprendizagem, graças à heterogeneidade que ela desenvolve, aos limites do espaço que ela cria. Perdido no longínquo, o signo é mortal; e também o é quando nos atinge diretamente." Gilles Deleuze. Diferença e repetição.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O LIVRO MÓVEL DE DELEUZE E GUATARI

Lembro-me de livros geniais que li e que me fizeram aprender, mas que não são nada estáveis, pois são labirintos intertextuais (Lúcia Leão - A estética dos labirintos). Vou dar alguns exemplos: Alice no país das maravilhas (Lewis Carrol), O jogo da amarelinha (Júlio Cortazar), Castelo dos destinos cruzados (Italo Calvino), Mil Platôs (Deleuze e Guatari), dentre outros. Leão cita toda a obra de contos do Jorge Luis Borges, a obra de Kafka, O nome da rosa (Umberto Eco), a obra da Garcia Lorca etc.


O Kozma fala da estabilidade dos livros como distintiva da TV cuja marca é a transitoriedade. Na aula passada ponderei essa questão citando Deleuze que confere à leitura do livro contemporâneo forte semelhança com a audiência de outras mídias visuais e sonoras conforme ( ver postagem Deleuze e a leitura)

“Partir, evadir-se, traçar uma linha”


Em Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, Deleuze e Guatari vão a fundo na questão e apresentam um conjunto de considerações sobre os livros. Identificam  três categorias deles : o livro-raiz, fundado sobre o modelo de árvore, o livro-radícula e o livro rizoma. Me parece que Kozma, refere-se mais ao livro do primeiro tipo, o livro raiz, o livro clássico tradicional, apoiado numa lógica binária. Kozma pode estar falando também do livro radícula, fasciculado, em que a raiz passa a conviver com feixes de outras raízes, se entrelaçando. É uma multiplicidade agora, mas  presa a uma estrutura central que é a raiz, não rompendo com o dualismo. Já o livro rizomático é muito diferente da árvore ou da raiz. Ao invés de se fixar num ponto, o rizoma é  interconexão e  heterogeneidade de múltiplos pontos. Ao contrário das estruturas arborescentes, nas quais uma quebra pode sucumbir todo o sistema, as estruturas rizomáticas se reestratificam e se reconstroem. Ao invés de decalcoemania, a cartografia, pois o mapa se abre à experimentação, a interconexão de sentidos e a heterogeneidade. Não é reprodução, é construção.

Vale pena dar uma olhada nos trechos abaixo em que procurei destacar algumas passagens passagens sobre os livros no capítulo de Introdução de Mil platôs, vol. 1, que pode ser abaixado na íntegra na Biblioteca Nômade, aqui: http://bibliotecanomade.blogspot.com/2009/08/arquivos-para-download-mil-platos-5.html


1 - DESTINO INCERTO DO LIVRO
 " Com o passar dos anos, os livros envelhecem, ou, ao contrário, recebem uma segunda juventude. Ora eles engordam e incham, oram modificam seus traços, acentuam suas arestas, fazem subir à superfície novos planos. Não cabe aos autores determinar um tal destino objetivo."

2 - LIVRO MÁQUINA
" Um livro não tem objeto nem sujeito; é feito de matérias diferentemente formadas, de datas e velocidades muito diferentes. Desde que se atribui um livro a um sujeito, negligencia-se este trabalho das matérias e a exterioridade de suas correlações. Fabrica-se um bom Deus para movimentos geológicos. Num livro, como em qualquer coisa, há linhas de articulação ou segmentaridade, estratos, territorialidades, mas também linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e desestratificação. As velocidades comparadas de escoamento, conforme estas linhas, acarretam fenômenos de retardamento relativo, de viscosidade ou, ao contrário, de precipitação e de ruptura. Tudo isto, as linhas e as velocidades mensuráveis, constitui um agenciamento. Um livro é um tal agenciamento e, como tal, inatribuível. É uma multiplicidade (...) Agenciamento maquínico é direcionado para os estratos que fazem dele, sem dúvida, uma espécie de organismo, ou bem uma totalidade significante, ou bem uma determinação atribuível a um sujeito, mas ele não é menos direcionado para um corpo sem órgãos, que não pára de desfazer o organismo, de fazer passar e circular partículas a-significantes, intensidades puras, e não pára de atribuir-se os sujeitos aos quais não deixa senão um nome como rastro de uma intensidade. Qual é o corpo sem órgãos de um livro? Há vários, segundo a natureza das linhas consideradas, segundo seu teor ou sua densidade própria, segundo sua possibilidade de convergência sobre "um plano de consistência" que lhe assegura a seleção. Aí, como em qualquer lugar, o essencial são as unidades de medida: "quantificar a escrita". Não há diferença entre aquilo de que um livro fala e a maneira como é feito. Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está somente em conexão com outros agenciamentos, em relação com outros corpos sem órgãos. Não se perguntará nunca o que um livro quer dizer, significado ou significante, não se buscará nada compreender num livro, perguntar-se-á com o que ele funciona, em conexão com o que ele faz ou não passar intensidades, em que multiplicidades ele se introduz e metamorfoseia a sua, com que corpos sem órgãos ele faz convergir o seu. Um livro existe apenas pelo fora e no fora. Assim, sendo o próprio livro uma pequena máquina, que relação, por sua vez mensurável, esta máquina literária entretém com uma máquina de guerra, uma máquina de amor, uma máquina revolucionária etc. — e com uma máquina abstrata que as arrasta. Fomos criticados por invocar muito freqüentemente literatos. Mas a única questão, quando se escreve, é saber com que outra máquina a máquina literária pode estar ligada, e deve ser ligada, para funcionar. Kleist e uma louca máquina de guerra, Kafka e uma máquina burocrática inaudita...(e se nos tornássemos animal ou vegetal literatura, o que não quer certamente dizer literariamente? Não seria primeiramente pela voz que alguém se torna animal?) ."

3 - A INFERIORIDADE ORGÂNICA DO LIVRO RAIZ
" Um primeiro tipo de livro é o livro-raiz. A árvore já é a imagem do mundo, ou a raiz é a imagem da árvore-mundo. É o livro clássico, como bela inferioridade orgânica, significante e subjetiva (os estratos do livro). O livro imita o mundo, como a arte, a natureza: por procedimentos que lhes são próprios e que realizam o que a natureza não pode ou não pode mais fazer. A lei do livro é a da reflexão, o Uno que se torna dois. Como é que a lei do livro estaria na natureza, posto que ela preside a própria divisão entre mundo e livro, natureza e arte? Um torna-se dois: cada vez que encontramos esta fórmula, mesmo que enunciada estrategicamente por Mao Tsé-Tung, mesmo compreendida o mais "dialeticamente" possível, encontramo-nos diante do pensamento mais clássico e o mais refletido, o mais velho, o mais cansado. A natureza não age assim: as próprias raízes são pivotantes com ramificação mais numerosa, lateral e circular, não dicotômica. O espírito é mais lento que a natureza. Até mesmo o livro como realidade natural é pivotante, com seu eixo e as folhas ao redor. Mas o livro como realidade espiritual, a Árvore ou a Raiz como imagem, não pára de desenvolver a lei do Uno que se torna dois, depois dois que se tornam quatro.... A lógica binária é a realidade espiritual da árvore-raiz. Até uma disciplina "avançada" como a Lingüística retém como imagem de base esta árvore-raiz, que a liga à reflexão clássica (assim Chomsky e a árvore sintagmática, começando num ponto S para proceder por dicotomia). Isto quer dizer que este pensamento nunca compreendeu a multiplicidade: ele necessita de uma forte unidade principal, unidade que é suposta para chegar a duas, segundo um método espiritual. E do lado do objeto, segundo o método natural, pode-se sem dúvida passar diretamente do Uno a três, quatro ou cinco, mas sempre com a condição de dispor de uma forte unidade principal, a do pivô, que suporta as raízes secundárias. Isto não melhora nada. As relações biunívocas entre círculos sucessivos apenas substituíram a lógica binária da dicotomia. A raiz pivotante não compreende a multiplicidade mais do que o conseguido pela raiz dicotômica. Uma opera no objeto, enquanto a outra opera no sujeito. A lógica binária e as relações biunívocas dominam ainda a psicanálise (a árvore do delírio na interpretação freudiana de Schreber), a lingüística e o estruturalismo, e até a informática.

4 - LIVRO RADÍCULA OU FASCICULADO: O QUE MAIS PROSPEROU NA MODERNIDADE
O sistema-radícula , ou raiz fasciculada, é a segunda figura do livro, da qual nossa modernidade se vale de bom grado. Desta vez a raiz principal abortou, ou se destruiu em sua extremidade: vem se enxertar nela uma multiplicidade imediata e qualquer de raízes secundárias que deflagram um grande desenvolvimento. Desta vez, a realidade natural aparece no aborto da raiz principal, mas sua unidade subsiste ainda como passada ou por vir, como possível. Deve-se perguntar se a realidade espiritual e refletida não compensa este estado de coisas, manifestando, por sua vez, a exigência de "ma unidade secreta ainda mais compreensiva, ou de uma totalidade mais extensiva. Seja o método do cut-up de Burroughs: a dobragem de um texto sobre outro, constitutiva de raízes múltiplas e mesmo adventícias (dir-se-ia uma estaca), implica uma dimensão suplementar à dos textos considerados. É nesta dimensão suplementar da dobragem que a unidade continua seu trabalho espiritual. É neste sentido que a obra mais deliberadamente parcelar pode também ser apresentada como Obra total ou o Grande Opus. A maior parte dos métodos modernos para fazer proliferar séries ou para fazer crescer uma multiplicidade valem perfeitamente numa direção, por exemplo, linear, enquanto que uma unidade de totalização se afirma tanto mais numa outra dimensão, a de um círculo ou de um ciclo. Toda vez que uma multiplicidade se encontra presa numa estrutura, seu crescimento é compensado por uma redução das leis de combinação. Os abortadores da unidade são aqui fazedores de anjos, doctores angelici, posto que eles afirmam uma unidade propriamente angélica e superior. As palavras de Joyce, justamente ditas "com raízes múltiplas", somente quebram efetivamente a unidade da palavra, ou mesmo da língua, à medida que põem uma unidade cíclica da frase, do texto ou do saber. Os aforismos de Nietzsche somente quebram a unidade linear do saber à medida que remetem à unidade cíclica do eterno retorno, presente como um não sabido no pensamento. Vale dizer que o sistema fasciculado não rompe verdadeiramente com o dualismo, com a complementaridade de um sujeito e de um objeto, de uma realidade natural e de uma realidade espiritual: a unidade não pára de ser contrariada e impedida no objeto, enquanto que um novo tipo de unidade triunfa no sujeito. O mundo perdeu seu pivô, o sujeito não pode nem mesmo mais fazer dicotomia, mas acede a uma mais alta unidade, de ambivalência ou de sobredeterminação, numa dimensão sempre suplementar àquela de seu objeto. O mundo tornou-se caos, mas o livro permanece sendo imagem do mundo (...). "

5 - A MEMÓRIA RIZOMÁTICA
"Os neurólogos, os psicofisiólogos, distinguem uma memória longa e uma memória curta (da ordem de um minuto). Ora, a diferença não é somente quantitativa: a memória curta é de tipo rizoma, diagrama, enquanto que a longa é arborescente e centralizada (impressão, engrama, decalque ou foto). A memória curta não é de forma alguma submetida a uma lei de contigüidade ou de imediatidade em relação a seu objeto; ela pode acontecer à distância, vir ou voltar muito tempo depois, mas sempre em condições de descontinuidade, de ruptura e de multiplicidade. Além disto, as duas memórias não se distinguem como dois modos temporais de apreensão da mesma coisa; não é a mesma coisa, não é a mesma recordação, não é também a mesma idéia que elas apreendem. Esplendor de um Idéia curta: escreve-se com a memória curta, logo, com idéias curtas, mesmo que se leia e releia com a longa memória dos longos conceitos. A memória curta compreende o esquecimento como processo; ela não se confunde com o instante, mas com o rizoma coletivo, temporal e nervoso. A memória longa (família, raça, sociedade ou civilização) decalca e traduz, mas o que ela traduz continua a agir nela, à distância, a contratempo, intempestivamente, não instantaneamente. "

6  - O LIVRO RIZOMA: PERCEBER PELO MEIO
"O livro, agenciamento com o fora contra o livro-imagem do mundo. Um livro rizoma, e não mais dicotômico, pivotante ou fasciculado. Nunca fazer raiz, nem plantar, se bem que seja difícil não recair nos velhos procedimentos. "As coisas que me vêm ao espírito se apresentam não por sua raiz, mas por um ponto qualquer situado em seu meio. Tentem então retê-las, tentem então reter um pedaço de erva que começa a crescer somente no meio da haste e manter-se ao lado" Por que é tão difícil? É desde logo uma questão de semiótica perceptiva. Não é fácil perceber as coisas pelo meio, e não de cima para baixo, da esquerda para a direita ou inversamente: tentem e verão que tudo muda. Não é fácil ver a erva nas coisas e nas palavras (Nietzsche dizia da mesma maneira que um aforismo devia ser "ruminado", e jamais um platô é separável das vacas que o povoam e que são também as nuvens do céu)."

quinta-feira, 18 de março de 2010

A MENINA QUE AMA ALHO E NÃO AMA ESTUDAR GRAMÁTICA

" Como aprender a gramática e fazer com que ela seja amada por uma jovem que ama o alho?, pergunta-se ele [Fourier] em uma passagem consagrada à educação baseada na harmonia . "Esta jovem gosta de alho e não gosta de estudar a gramática". Então, como fazer com que ela a aprenda? Enxertar a gramática nessa paixão primeira, colocando-a em um grupo industrial de "alhistas". E, ao apresentar-se-lhe uma "Ode ao alho", ela se apressará a lê-la e, pouco a pouco, será conduzida ao estudo da poesia lírica e da gramática. Historinha cômica, sem dúvida, mas plena de sentido, do sentido da vida e não da metodologia abstrata. E é preciso ampliar esse tipo de experiência, por meio de outras relações passionais e atrativas, que são os verdadeiros acompanhamentos ou as verdadeiras arrancadas do aprender. " René Schérer

DELEUZE E A LEITURA

Sobre o texto do Kozma Aprendendo com livros (ver resumo no post abaixo), deixo aqui uma observação do Deleuze sobre leitura de livros que acho muito interessante:


"A boa maneira para se ler hoje, porém, é a de conseguir tratar um livro como se escuta um disco, como se vê um filme ou um programa de televisão, como se recebe uma canção: qualquer tratamento do livro que reclamasse para ele um respeito especial, uma atenção de outro tipo, vem de outra época e condena definitivamente o livro. Não há questão alguma de dificuldade nem de compreensão: os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são intensidades que lhes convêm ou não, que passam ou não passam." Deleuze, G., Parnet, C. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992, p. 4.
 Deleuze não está falando especificamente do livro-texto, do livro com finalidades pedagógicas, mas creio que a observação é boa para a leitura de qualquer tipo de livro.  Afinal, em qualquer livro, se pode aprender, ou seja, produzir devires.
Ilustração: Emile Zola por Manet.  Fonte : http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/album/index.htm

quinta-feira, 11 de março de 2010

O LIVRO ESTÁTICO DE KOZMA


Antes, porém, três dúvidas (ao menos) sobre as teorias cognitivas que orientam as pesquisas comentadas por Kozma. Será que o comportamento humano pode ser descrito por teoria ? O cérebro funciona mesmo como o computador ? A mente está mesmo no cérebro?

Aprendizado através da mídia

Resumo das 11 primeiras páginas do artigo: Kozma, Robert B. (1991) . Aprendendo com a mídia. Disponível em: http://robertkozma.com/images/kozma_rer.pdf. Consulta em 10.03.2010.

Objetivo

A intenção do artigo é demonstrar os efeitos cognitivos na aprendizagem das diferentes mídias (livro, televisão, computador e multimídia), particularmente efeitos na estrutura, formação e modificação de modelos mentais.

Definição da mídia
A mídia é definida pela sua tecnologia, seu sistema de símbolos e sua capacidade de processamento.
Tecnologia: as características físicas (mecânicas, eletrônicas e outras) servem para classificar a mídia (TV, radio , computador etc.). Os efeitos cognitivos dessas características são indiretos, sendo alguns + diretos (exemplo: tamanho e resolução das telas de computador). Maior número de implicações da mídia na aprendizagem resulta de seus sistemas de símbolos e suas capacidades de processamento

Sistema de símbolos : são “modos de aparência (Salomon) ou conjunto de elementos (palavras, imagens etc.) que são interligados em cada sistema de sintaxe e são determináveis em relação ao domínio de referência. Uma mídia pode ser descrita e distinguida das demais pela sua capacidade de empregar determinado sistema de símbolo. Determinados sistemas de símbolos podem representar melhor certas tarefas. As informações nos diferentes sistemas de símbolos podem ser representados de forma diferente na memória e exigir diferentes habilidades mentais para processá-las.
Capacidade de processamento: os recursos de processamento também distinguem as mídias mesmo quando elas acessam o mesmo sistema de símbolos (Exemplo: videodisco e transmissão (broadcasting) de vídeo). A capacidade de processamento de uma mídia pode complementar as capacidades do aluno. Os alunos podem incorporá-las (?) em seu repertório de processo cognitivo quando estão na “zona de desenvolvimento próximal” (Vygotsky) 1 .
Situação dos aprendizes
A diferença que uma mídia pode fazer na aprendizagem depende de como ela corresponde à situação dos aprendizes (tarefas e alunos envolvidos), pois as tarefas variam em situações e exigências e os alunos variam em capacidade de processamento. A interação contínua e recíproca entre a pessoas e a situação confirma a teoria Interação Atitude-Tratamento (Snow) 2.

Aprendendo com livros

É a mídia mais comum e sua característica distintiva é a estabilidade. Seu sistema de símbolos é constituído por textos e imagens.

Aprender com o texto envolve duas representações mentais interligadas: texto base e modelo de situação. No texto base, a representação mental deriva diretamente do texto. Aumenta a possibilidade de sobrevivência da memória de curta duração e a fixação da memória de longo prazo. Já no modelo de situação, a representação deriva da situação descrita pelo texto, formada pelas informações do texto e dados da memória de longa duração.

O processo de leitura interage com conhecimentos anteriores. Leitores ocasionais podem decodificar erroneamente a informação, assim leitores fluentes podem ter dificuldade quando a informação é muito longa ou encontra-se fora do seu domínio. Fluente ou ocasional, o leitor diminui o ritmo de leitura ao se deparar com informação decisiva para a compreensão do texto.

Diversos estudos constatam haver variadas formas para ajudar a compreensão dos textos em livros, aproveitando-se da estrutura estável dessa mídia (ler várias vezes o texto ou trecho, ler certas seções com mais cuidado, saltar para trás e para frente, fazer pausas, buscar apoio em outros livros etc.) .

Do ponto de vista do processo de aprendizagem, o uso de imagens referidas ao texto favorece especialmente os leitores ocasionais ou os que têm pouco domínio.

Os autores devem utilizar-se de recursos nos seus textos de modo a complementar habilidades e deficiências dos aprendizes como títulos, questões de revisão, definição de objetivos, elementos de coesão, sinais, imagens bem situadas ao longo do texto etc.

Notas
1 - Segundo Vygotsky , existe uma área de potencial de desenvolvimento cognitivo definida como a distãncia entre o nível atual de desenvolvimento da criança, determinado pela sua capacidade de resolver problemas individualmente, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de problemas sob a orientação de adultos ou em colaboração com pares mais capazes. Ou seja, para Vygotski o processo de desenvolvimento não coincide com o de aprendizagem. Pelo contrário, existe uma assintonia entre eles constituindo uma área de dissonância cognitiva que corresponde ao potencial do aprendiz. Ver: Vygotisky, L.S. Mind in society – the development of higher psychological processes.




2- Aptitude-Treatment Interaction (Interação Atitude-Tratamento – ATI é o conceito de que algumas estratégias de instrução (tratamentos) são mais ou menos efetivas para determinados indivíduos, de acordo com as suas habilidades específicas. Como uma estrutura teórica, a ATI sugere que o aprendizado ótimo é alcançado quando a instrução é exatamente condizente com as atitudes do aprendiz. Isto é consistente com as teorias de inteligência (como as de Gardner, Guilford, Sternberg), que sugere uma visão multidimensional da capacidade. Snow resume as principais conclusões de Cronbach & Snow (1977) sobre as pesquisas em AT: 1) interações de atitude-tratamento são muito comuns na educação; 2) muitas combinações ATI são complexas e difíceis de serem mostradas claramente, e nenhum efeito ATI é suficientemente compreendido para ser a base para a prática de instrução. Além disso, Snow identifica a falta de atenção para com os aspectos sociais do aprendizado como uma séria deficiência da pesquisa ATI. Ele afirma: "As diferenças no estilo de aprendizado podem estar ligadas a variáveis relativamente estáveis, como pessoa e atitude, porém estas diferenças também podem variar dentro dos indivíduos, como uma função das variáveis de trabalho e situação." Conf. Snow, R. (1989). Aptitude-Treatment Interaction as a framework for research on individual differences in learning. In P. Ackerman, R.J.

Ilustrações/pinturas de leituras: Picasso e Balthus. Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/album/index.htm