quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ainda cuspindo o veneno...

" Para cada alma pertence um mundo diferente; para cada alma, toda outra alma é um além mundo"
Nietzsche - Assim falou Zaratustra - O convalescente


Uma das mais bonitas e potentes passagens do Assim falou Zaratustra é O convalescente em que o nosso herói levanta-se da cama depois de convalescer durante sete dias em virtude da descrença no homem. "É demasiado mesquinho, o maior!- Era este o meu estado pelo homem! e o eterno regresso, e outra vez, do mais mesquinho! - Isso então era o enfado de toda a minha existência!".  

Trata-se da última crise melancólica de Zaratustra e é nesse contexto de doença e morte em que ele  se prepara para elaborar definitivamente O Eterno Retorno (O grande anelo), afastando para sempre a idéia de que o que retorna é o mesmo homem mesquinho. Não há palavras exatas para definir O Eterno Retorno do não mesquinho, O Eterno Retorno da diferença. As palavras não podem tudo. Mas as palavras podem matar. E matam. Palavras foram feitas sobretudo para matar.


Não sou Zaratustra, infelizmente. Mas andei morrendo de mesquinharias. Mesquinharias de palavras, acusações, julgamentos. Palavras de ordem. Não sou Zaratustra, infelizmente, mas andei me curando das mesquinharias humanas. Bati em muitas portas pedindo. O idiota que me habita não sabia - ou fazia de conta que não sabia - que atrás das portas podem haver monstros.  O monstro é o pharmacon do homem? O monstro é o Outro do idiota? Não sei, mas sei que o monstro é perigoso e sei também que ele pode fazer a diferença. Como descrever a drástica mudança que se gerou no seu corpo quando se encontrou frente a frente com o desconhecido? Tudo o que recebi foram palavras mesquinhas, julgamento  pelas aparências. Figuras. "... a figura é o atributo não-corpóreo que o limita e o fixa: a morte é a Figura."

Doença. Só adoecendo pude me libertar dessa tristeza do humano.  Fui a minha própria médica. Há um cura potente em mim.  Sempre foi assim, assim é em todos nós. Mas é preciso alimentar esse cura. E eu o alimento com palavras. As palavras podem curar também.  Mensagens de fuga! Mas antes é preciso morrer, morrer de palavras. "Morte, morte, esse é o único julgamento, e o que faz do julgamento um sistema. Veredito.". 

Atenção! A palavra de ordem só nos mata porque  já estamos mortos, mortos de obediência. "Você já está morto quando recebe a palavra de ordem... A morte, com efeito, está em toda a parte como essa fronteira intransponível, ideal, que separa os corpos, suas formas e seus estados, e como a condição mesmo iniciática, mesmo simbólica, pela qual um sujeito deve passar para mudar de forma ou estado." Assim escreveram os curas Deleuze e Guattari no belíssimo Postulados da línguistica (Mil Platôs, Vol.II).

É a estética da crueldade. Bendita! Bendita pra mim que sou forte e consigo afastar o perigo do monstro e ficar apenas com a singularidade que mostra o monstro. Não sei se todos têm a mesma sorte ou se eu mesma continuarei a tê-la.  Sei que não sou Zaratustra, infelizmente, mas como ele, estou agora livrando a minha alma dos esconderijos, afastando o pó, as aranhas e as trevas.  

Está chegando o tempo em que a alma vai cantar e eu agradecer.  Um tempo de oferendas. Um tempo por vir, vindo. Um tempo já sendo. Tempo do e e e e e e e e e e e e e e e e e. Por isso, estou ficando gaga. Gaga apaixonada. Na pequena língua, porque na grande língua, a do professor que tudo sabe, não posso ga-ga-gue-gue-jar. I can´t stutter, in the major language, I can´t love.  Attention on the master, a a a a mon-mon-mon-monster. Monster of the word in the major language.


" A restauração da pureza interior deve, pois, reconstituir, narrar..." 
Jacques Derrida - A farmácia de Platão

“tudo aquilo que é mostrado ou que se mostra afirmando a sua singularidade contra e através do semelhante é monstruoso”
Perret-Gentil - L´escamoteur"

"Na realidade, precisamos aprender a amar certos monstros e a combater outros.”
Negri e Hardt - Multidão guerra e democracia na era do Império


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