quarta-feira, 27 de outubro de 2010

AMOR ROMÂNTICO

" À inacessibilidade do ser amado cantada em verso e prosa pela literatura soma-se assim a inacessibilidade do ideal: verificando que não podemos corresponder àquilo que ele exige, tentamos de mil maneiras contornar essa impossibilidade, sempre sem sucesso: o resultado são vivências de fracasso e de angústia – e para nos proteger delas, entram em cena as defesas com que conta a nossa estrutura psíquica: negação, cisão, projeção, recalque...

Todas elas visam em primeiro lugar a evitar o confronto com uma dolorosa impossibilidade: a de se fundir por completo com o ser amado, numa totalidade perfeita que no limite faria ambos desaparecerem como indivíduos. Cabe aqui notar, como faz Sophie de Mijolla, que o termo “fusão” significa tanto união como combustão: o “fogo do amor” acabaria por derreter os parceiros, como na história do Soldadinho de Chumbo. Ora, o ideal da fusão se choca com o fato de que o outro tem sempre um “lado de dentro”, uma interioridade que permanece desconhecida para seu amante – e que deve permanecer desconhecida, para assegurar um espaço psíquico de privacidade e segredo sem cuja existência o indivíduo soçobra na loucura.

Do fato de que o outro jamais me é transparente nasce o grande tormento do amor – o ciúme. Se aquele é vivido como conquista e posse de um objeto que sempre corremos o risco de perder, é inevitável que o tentemos controlar – e inevitável que fracassemos nesta tentativa, porque não se pode dominar o futuro."
.
.
" Para que a razão possa se exercer, contudo, ela precisa ser alimentada com o conhecimento, no caso o conhecimento sobre o que se oculta sob a expressão aparentemente inofensiva “amor romântico”. Há outras espécies de amor, nas quais o desequilíbrio entre os parceiros não é a regra – e por isso mesmo são mais duradouras e menos geradoras de sofrimento. Mas para as descobrir e viver, é preciso ter deixado para trás as exigências infantis de completude e de transparência integral do outro. É preciso renunciar à ilusão de que ele pode ser controlado pela nossa vontade, e reconhecer que ele também é um sujeito, com contradições e insuficiências semelhantes àquelas de que nós mesmos padecemos.

Difícil? Certamente. Mas não impossível. Pois, como diz Espinosa ao concluir sua Ética: “certamente deve ser árduo o que tão raramente se encontra. Mas tudo o que é precioso é tão difícil quanto raro.”


Nenhum comentário:

Postar um comentário