DEPENDÊNCIA QUÍMICA:
AVENTURA, VIAGEM OU SERVIDÃO
( I )
Comumente, diabolizamos a problemática da dependência química... Vemos desvio, delinqüencia, autodestrutividade, mimetismo social, rebeldia, marginalidade...
Normôticos, olhamos para os que vivenciam as experiências com drogas e os condenamos... Dizemos simplificando o problema: procuram a morte com as próprias mãos...
Este é o pensamento policialesco e normatizante, higienista e moralizante.
Não é um consenso...
Frei Beto , no texto " Vida, sim; drogas, não", para a revista Caros Amigos, declara que ninguém suporta a normalidade. Sugere que só possível superar uma dependência química através de uma paixão, de uma causa amorosa, política, ética, estética ou existencial...
"A normalidade é a mediocridade institucionalizada" ( Miziara, L. In: A Salamandra)
Rotelli chama a atenção para a função de amplificador da consciência das drogas; e assinala que elas não são em si o problema, mas a compulsão que gera um funcionamento à maneira dos buracos negros que esvaziam o sentido da vida e da caminhada. Eles a procuraram porque desejam algo mais do que lhe era oferecido pelo sistema, pela racionalidade técnico-instrumental, pelo modo de viver da subjetividade capitalística. Assim, conclui que aos processos de reabilitação necessitam serem mais sedutores do que o mundo das drogas...
Cuidamos e , depois, os vemos recaídos; contudo, nosso cuidado é um arranjo ortopédico de recuperação da vida anterior , já esgotada no momento da busca da droga.
Deleuze chega com contribuições valiosas...
O uso da droga , para ele, é uma experimentação vital; cujo perigo mora no buraco negro da repetição compulsiva, na ausência de uma linha e fuga( plano de consistência) que permitiria o indivíduo voltar desta desterritorialização de alta intensidade e incomensurável velocidade, sem cair no vazio novamente ou na rotina cinzenta negada.
Acrescenta mais: antes o homem funcionava investindo sua energia e desejo no campo mnésico e dos afetos, que se mantinham eternizados no inconsciente como representações...
Agora, diagnostica uma mudança neste investimento: investimos nas percepções...
Percepções micro e macro que dilatam o mundo e o subtrai do terrível desencantamento imposto pela lógica mercantil, prática e funcional.
Deste modo, podemos dissolver os preconceitos e pensar o uso compulsivo e a própria fissura.
O uso compulsivo de drogas pode vincular:-se:
- a própria química;
- cultura do tudo posso, um funcionamento narcísico, onipotente e fálico;
- reverberações dos fantasmas da cena primaria;
- o efeito gangue - grupalidade/ tribo/ grupo assujeitado;
- a ausência de planos de consistência para sustentar novos investimentos no universo das percepções;
-e o império das reproduções com esgotamento do instituído;
- falta de uma paixão e causa-paixão;
- e a própria insufiência de uma vida que permanece desencatada, estriada e cinzenta.
A fissura e desejo de uso que retorna com voracidade, inexplicavelmente, após, a vivência de uma desintoxicação, estando a pessoa sóbria.
Quais as hipóteses possíveis: n:
- a sobriedade é uma vida amputada;
- funcionamento normôtico, sem vitalidade, alegria e bons encontros;
- e , especificamente, a problemática das percepções.
As sensações brutas e as paixões estão sob o domínio do cronos, não retornam...
Já as percepções e a arte são experiências que ocorre na ruptura com o tempo cronológico, podendo ser reativadas...
A ressônancia desta reativação gera uma forte vontade de uso... a fissura.
Então, a autonomia está em se produzir uma vida com singularidade, solidariedade , multiplicidade e investimentos potentes no universo perceptivo.
E o aprendizado de se bifurcar, criar outras saídas, quando do retorno destas percepções, protegendo-se não pela falta ou negatividade, mas pela criação, luta e afirmação de vida.
Re-encantemos a vida e o mundo...
Marta, tua estética rizomatiza o texto e o amplifica na sua potência... és uma maga...
ResponderExcluirBeijos jorge